Introdução
O lugar da convergência e do diálogo entre leitura e tecnologia é o espaço da cultura, mais especificamente o espaço materializado pelos meios/suportes. Entendidos aqui como materiais nos quais os textos são apresentados ao leitor no ato da leitura. São resultantes de um sistema complexo que contempla desde o surgimento de uma idéia até a concretização de um produto. Esse processo que possibilita os meios é o que compreendemos, nesse trabalho, por tecnologia. Dialogando com a leitura, faz surgir três aspectos bastante recorrentes quando a questão é o ato da leitura: a natureza do suporte em que os textos são dados a ler, os efeitos da forma material do suporte sobre o corpo do leitor e suas implicações para o sentido do texto (BARZOTTO, 1997, p. 08). Considerando essas idéias iniciais, tentaremos refletir sobre o primeiro desses aspectos: a natureza dos suportes em que os textos foram/são dados a ler.
1 – Espaços de convergência.
Entendemos que hoje não há dúvida de que a conjugação de computadores, espaço virtual e hipertexto deu origem a um novo suporte de leitura, o eletrônico / virtual. Neste suporte, constituído na tela do computador, encontramos a escrita basicamente de duas formas. No formato texto, formato semelhante ao dos rolos de papiro, onde também é preciso rolar o texto, assim, podemos inferir que o que temos é apenas uma transposição do livro para a tela, o que sugere uma leitura linear do texto (Manguel, 1997), e no formato hipertexto, no qual o conteúdo é apresentado de forma não seqüencial, linear, o que permite ao leitor uma diversidade de caminhos para a realização da leitura de um único texto. Neste formato concebemos a prática leitora como hyperleitura (Chartier, 1997).
Nesse momento histórico em que estamos vivenciando essas transformações, um primeiro olhar sobre os avanços das tecnologias midiáticas e hipermidiáticas considerando a natural facilidade de acesso ao texto, conseqüentemente, à informação proporcionada por essa (aos que têm acesso, é claro), temos a nítida impressão de estarmos diante de um conflito do qual emergem basicamente três olhares em relação à revolução do texto eletrônico e ao futuro da leitura na atual cultura midiática:
O olhar dos apocalípticos, denominados por Chartier (1997) de futuristas, os quais profetizam a extinção do livro, conseqüentemente, das práticas leitoras do texto impresso.
A telinha da tevê será o local da escrita no futuro, além de ter outras finalidades. Os computadores reinventarão o livro, agora, no formato eletrônico. Segurar uma caneta para escrever vai ser um gesto desconhecido. Papel vai ser um material associado mais a outras coisas do que a veicular escrita. Os textos voltarão a ser basicamente orais ou convertidos em orais para uso comum (Cagliari, 2001).
O dos otimistas que, contrários a essas idéias apocalípticas/futuristas, acreditam na perpetuação do livro apesar dos significativos avanços das tecnologias midiáticas e hipermidiáticas, para Chartier (1997), nostálgicos.
O Livro persistirá enquanto houver leitores. Por isso o anúncio do fim do livro pressuporia o fim da cultura, o fim da cultura letrada, o fim da humanidade (Freitag, 2000, p. 150).
E, por último, o olhar daqueles que não acreditam nem na hegemonia dos livros em relação às mídias e hipermídias, nem na extinção desses causado pela supremacia dessas tecnologias. Esse grupo de pensadores, encabeçados por Chartier (2001), concebe no estado atual das práticas leitoras uma coexistência de muitos meios, com todas as tensões características das mudanças na cultura. Não devemos pensar que essa revolução se vincula unicamente e mecanicamente às transformações dos aparatos, se liga também a transformações culturais, políticas, sociais.
Nesse sentido, na passagem de um suporte a outro, crêem no surgimento de outras práticas leitoras, distintas das já existentes.
Devemos pensar que nós estamos às vésperas de uma mudança semelhante e que o livro eletrônico substituirá ou já substituindo o codex impresso tal como nós o conhecemos em suas diversas formas: livro, revista, jornal? Mas o mais provável para os próximos decênios é a coexistência, que não será necessariamente pacífica, entre duas formas do livro e os três modos de inscrição e de comunicação de textos: o manuscrito, o impresso, o eletrônico. Esta hipótese é sem dúvida mais razoável que as lamentações sobre a irremediável perda da cultura escrita ou os entusiasmos sem prudência que anunciam a entrada imediata de uma era da comunicação (Chartier, 1997, p. 10).
2 – Configurações de leitor
Considerando essas mudanças sociais e culturais advindas dessa passagem de um meio a outro, Santaella (2001) apresenta-nos três categorias de leitor: O primeiro, denominado por ela de contemplativo, caracteriza-se por ser o leitor de livros, aquele que se retira para o gabinete para o ato da leitura; o segundo, movente, é o leitor do jornal, da revista, do folhetim... que lê na rua, no ônibus, no metrô...; o terceiro, o leitor do nosso tempo, da sociedade da informação, a autora denomina imersivo, pois se caracteriza por seus profundos mergulhos no mar dos hipertextos e hipermídias presentes nas nas páginas da Web.
Sobre esse leitor do nosso tempo, imersivo, a autora considera:
É um leitor revolucionariamente novo (...) O internauta está num estado permanente de prontidão perceptiva e sua atividade mental deve estar em prefeita sintonia com as partes motora e cognitiva. A linguagem do mundo digital só existe quando o usuário atua e interfere na mensagem (Santaella, 2001, p. 35).
Coexistência de muitos meios, múltiplas leituras, múltiplos leitores. Na perspectiva de Chartier (2000), é patente que se novas tecnologias estão transformando o meio de produção dos livros e de reprodução dos textos, os usos que deles podemos fazer estão abertos à nossa decisão: humana. Além disso, abre um precedente para concebermos a revolução do texto eletrônico não como um inimigo mortal do texto impresso, mas como uma possibilidade para a indestrutibilidade do texto e para a preservação dos suportes textuais que antecederam o texto eletrônico, como o movimento liderado por Dalai Lama no sentido de digitalizar os textos sagrados do budismo tibetano.
3 – Uma rede de leituras
Com essas idéias revolucionárias, Chartier acaba contribuindo decisivamente para a estruturação de bases para compreendermos as contemporâneas Redes de Leitura, nas quais textos manuscritos, impressos e eletrônicos entrecruzam-se, dialogam, complementam-se. A leitura do mundo precede a leitura do texto, parafraseando Freire (1983, p. 22), e a leitura do hipertexto é precedida por essas outras: a do mundo e a do texto.
Assim, acreditando nisso que assinala Paulo Freire (1983, p. 22) e naquilo que lembra-nos Manguel (1997, p. 20) quando nos diz que Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrarmos o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial, acreditamos que independente do suporte, a leitura continua sendo um caminho necessário e essencial para a compreensão e a atuação do indivíduo no meio social.
--------------------------------------------------------------------------------
Bibliografia:
BARZOTTO, V. H. Alguns termos do debate sobre suportes de textos, corporalidade e leitura. Revista Nexus. São Paulo, ano IV, nº 06 - p. 7 - 14, 1º sem. 1997.
CAGLIARI, L. C. A escrita no século XXI (ou talvez além disso). disponível on-line em http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/cagliari.html. Acessado em 31/05/2001.
CHARTIER, R. A leitura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Ed.Unesp, 2000.
__________, Em entrevista concedida à jornalista Helena Aragão - site www.no.com.br. Acessado em 11/05/2001.
__________, Os desafios da escrita. São Paulo: Ed.Unesp, 2002.
__________. A morte do leitor. Revista Nexus. São Paulo, ano IV, nº 06 - p. 15 - 24, 1º sem. 1997.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 3ª ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1983.
MANGUEL, A. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
SANTAELLA, Mª. L. Navegando entre Platão e salsichas. Em matéria publicada na Revista da Fapesp, 2001.
PONTES, A. N.
Nenhum comentário:
Postar um comentário