sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Mapa político do mund


Este é o mapa político do mundo. As cores no mapa mostram como dividimos o mundo em territórios ou países individuais. O número de países no mundo muda constantemente. Algumas vezes países maiores se dividem em países menores ou um grupo de pequenos países se une para formar um único país maior. Se você olhar para um mapa político do mundo daqui a cinquenta anos, ele pode ser diferente do mundo político que temos hoje em dia.

As Meninas



Uma análise do quadro As Meninas, do artista espanhol Diego Velázquez, a partir do pensamento de autores como Foucault, Lacan e Quinet


Por Oswaldo Henrique duek Marques


Pesquisadores de vários campos do conhecimento, como a história das artes, a literatura, a filosofia e a psicanálise, continuam a buscar uma interpretação fidedigna do quadro As Meninas, pintado por Velázquez no século 17. Segundo Jonathan Brown, o tempo não desgasta o quadro, mas o enriquece, motivo pelo qual cada geração deve aceitar o desafio de interpretá-lo, revitalizando-o perpetuamente (BROWN, p. 115). As inúmeras interpretações do quadro, a partir de vários pontos de vista, tornam sedutor e atual seu estudo, sempre aberto a novos enfoques.

Neste trabalho, a partir de breve comentário sobre a vida de Velázquez e sobre As Meninas, com referência a algumas interpretações históricas dessa obra, serão destacados os pensamentos de Michel Foucault, em As Palavras e as Coisas - como marco da episteme clássica -, de Jacques Lacan e de Antonio Quinet, com a intenção de proporcionar uma análise comparativa entre esses autores.
Como veremos neste estudo, Jacques Lacan, secundado por Antonio Quinet, sustenta que a pintura As Meninas e a tela de costas nela contida fazem parte de um jogo apresentado por Velásquez, como uma carta virada para o espectador, o que obriga a todos que olham a obra a arriarem suas cartas, dando suas interpretações. Dessa óptica, ao final deste estudo, tentaremos também baixar nossas cartas, apresentando nossas conclusões e interpretações como frutos da nossa imaginação.


Velázquez e as intrepações de As Meninas
Diego Rodríguez de Silva y Velázquez (1599-1660), nascido em Sevilha, foi nomeado em outubro 1623 "pintor do rei" - encarregado de retratos reais -, passando a residir em Madri com a família (BUENDIA e ÁVILA, p. 8). Além dessa função, era responsável pelas habitações, mobiliário e limpeza do palácio.

Em 1656, Velázquez finaliza sua obra célebre, conhecida como As Meninas, expressão portuguesa aplicada às damas de honra - ou de companhia - da princesa Margarida María, representada no centro do quadro (BUENDIA e ÁVILA, p. 74). Em 1666, no inventário do Palácio, esse quadro havia recebido a denominação de "Su Alteza la Emperatriz con sus damas y un enano". Em 1734, foi intitulado "La familia del rey Felipe IV". Somente em 1843 recebeu a denominação de "Las Meninas", quando foi incluído no catálogo do Prado por Pedro de Madrazo (BROWN, p. 116). Além da figura de Velázquez, em autorretrato, segurando com uma das mãos um fino pincel e, com a outra, uma paleta, vê-se, ao centro do quadro, a Infanta sendo atendida por duas damas de honra: María Augustina Sarmiento, que lhe oferece uma jarra de água, e Isabel de Velasco. No ângulo direito estão os anãos Mari Bárbola e Nicólas Pertusato. O plano médio está ocupado pela dama de honra Marcela de Ulloa e, a seu lado, um guarda-damas sem identificação. Atrás, em uma porta aberta, aparece José Nieto, aposentador da rainha. Finalmente, refletidos em um espelho, ao fundo, os reis Felipe IV e Margarida da Áustria (BROWN, p. 115).
Por razões de decoro, em razão da presença da família real, esse quadro, de grandes proporções (3,18 x 2,76m), não foi pintado no estúdio de Velázquez, mas em uma sala maior e mais solene. No quadro, as figuras possuem tamanho aproximadamente natural (BROWN, p. 121 e 127). A Cruz de Santiago, no colete do pintor, foi agregada três anos depois de terminada a pintura, quando nomeado cavaleiro dessa ordem. Esta, fundada no século 12, era uma das mais elitistas da aristocracia espanhola, e lhe foi conferida em 28 de novembro de 1659 (BROWN, p. 138 e 141). Há, contudo, uma lenda segundo a qual essa cruz foi pintada por Felipe IV ou por determinação deste após a morte de Velázquez (DIEGO VELÁZQUEZ, p. 88).

Nessa obra, os reis figuram como personagens semissecretas, porquanto suas imagens vagas, refletidas em um espelho, situam-se em um lugar indefinido, acentuando o mistério do quadro (BUENDIA e ÁVILA, p. 74). Dentre as interpretações conhecidas da obra, podem ser citadas duas conclusões do arquiteto espanhol Ramiro de Moya. De acordo com a primeira, o espelho ao fundo refletia o próprio quadro, no qual os reis estavam sendo retratados, e não o reflexo deles em pessoa. Consoante a segunda, Velázquez utilizou um manequim para retratar-se do ponto exterior no qual pintava a cena (BROWN, p. 118).
Para Lucas Jordan, As Meninas é a "teologia da pintura", diante da complexidade oculta por trás da simplicidade aparente da obra. Dentre as intenções do artista, "persiste a dúvida de que o espelho seria, na verdade, uma tela. Nesse caso, o que pintaria Velázquez? Um autorretrato? Ou As meninas, um quadro dentro de um quadro? Perguntas que, sem dúvida, constituem um ingrediente substancial dessa obra" (DIEGO VELÁZQUEZ, p. 90). 
Capa

Amado Jorge!


Fascinante, a trajetória de Jorge Amado confunde-se com a própria história cultural do século XX


"Eu sou muito otimista, muito. O Brasil é um país com uma força enorme. Nós somos um continente, meu amor. Nós não somos um paisinho, nós somos um continente, com um povo extraordinário."
João Amado Faria leva seu filho adolescente de volta para o internato, após o período de férias. Despedem-se e João vai embora, acreditando ter deixado o filho na segurança do colégio de padres. Vai descobrir seu engano somente alguns meses mais tarde, ao saber que o garoto, na verdade, está na fazenda do avô, aonde chegou após uma longa viagem solitária pelo interior da Bahia. O jovem é levado de volta para o colégio e, depois desse episódio, desiste das fugas materiais e passa a se concentrar numa artimanha mais elaborada de fuga e protesto: a escrita. Esse jovem é Jorge Amado de Faria. O nosso Jorge Amado.
Nascido numa fazenda no interior do distrito de Itabuna e tendo sido um aluno exemplar, Jorge Amado é aprovado entre os primeiros colocados na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, estado para o qual se transfere em 1930, então com 18 anos. Já no ano seguinte vê seu primeiro romance, O país do carnaval, ser publicado. Com tiragem de mil exemplares, o livro foi bem recebido por público e crítica. Após uma viagem pela zona cacaueira da Bahia, Jorge Amado escreve e publica o romance Cacau, em 1933. Nessa época, conhece Graciliano Ramos , com quem travaria uma amizade duradoura. No ano seguinte, publica o romance Suor. Nessa época, Jorge Amado não vivia exclusivamente de literatura; foi uma fase de diversos trabalhos como jornalista e editor para várias revistas cariocas.
Graciliano RamosDono de estilo contundente e direto, Graciliano Ramos é um dos mais importantes autores da literatura brasileira. Nasceu em Quebrangulo, em Alagoas, no ano de 1892 e fez os primeiros estudos no interior de Alagoas, tendo depois tentado o jornalismo no Rio de Janeiro. Regressou a Palmeira dos Índios (AL), cidade da qual foi prefeito, em 1928, renunciando ao cargo dois anos depois e passando a dirigir a Imprensa Oficial do Estado. Em 1933, foi nomeado Diretor da Instrução Pública. Por suspeita de ligação com o comunismo, foi demitido e preso em 1936. Remetido ao Rio de Janeiro, permaneceu encarcerado na Ilha Grande, onde escreveu Memórias do cárcere. Em 1945, aderiu ao Partido Comunista Brasileiro. Suas obras mais importantes são São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1938).
ComunismoO comunismo é uma estrutura sócioeconômica e uma ideologia política que pretende promover o estabelecimento de uma sociedade igualitária, sem classes e apátrida, baseada na propriedade comum e no controle dos meios de produção e da propriedade em geral. O comunismo, no sentido marxista, refere-se a uma sociedade sem classes, sem Estado e livre de opressão, onde as decisões sobre o que produzir e quais as políticas devem prosseguir são tomadas democraticamente, permitindo que cada membro da sociedade possa participar do processo decisório, tanto na esfera política e econômica da vida.



Nos seus primeiros anos no Rio de Janeiro, Jorge Amado entra em contato, provavelmente influenciado pelo círculo de jovens intelectuais da universidade, com uma ideologia que mudaria seu destino: o comunismo . A ideologia e a militância que o acompanhariam por toda vida e seriam determinantes na sua trajetória. Filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), Jorge Amado sofre sua primeira prisão política já no ano de 1936, acusado de participar de um levante ocorrido em Natal, no ano anterior. Nesse mesmo ano recebe o Prêmio Graça Aranha, oferecido pela Academia Brasileira de Letras, por seu novo romance, Mar Morto.
No ano seguinte tem sua primeira experiência com cinema, atuando no papel de pescador e colaborando no roteiro do filme Itapuã, de Ruy Santos. Durante uma viagem pela América Latina e os Estados Unidos, é publicado no Brasil o livro Capitães da areia. No seu retorno do exterior, Jorge Amado encontra um momento delicado da história política brasileira: ele pisa em solo nacional durante a agitação decorrente do golpe político de Vargas e instauração do Estado Novo decorrente do golpe político de Vargas e . Diante disso, tenta fugir viajando pelo país, mas é preso rapidamente em Manaus. Seus livros são considerados subversivos e mais de 1.600 exemplares são queimados em praça pública em Salvador, segundo registros militares. É libertado em 1938 e mantém intensa atividade política, posicionando-se publicamente contra a tortura de presos e a desarticulação do Partido Comunista.
No ano de 1939 a obra de Jorge Amado já começa a viajar o mundo, sendo traduzida para o inglês e para o francês. Na mesma época, Albert Camus, escritor e futuro Nobel de Literatura, publica um artigo elogioso a Jubiabá no jornal Alger Républicain. Jorge Amado decide, então, escrever uma biografia de Luis Carlos Prestes, a fim de iniciar uma campanha pela sua anistia. Apesar de ter sido editado em espanhol e circular oficialmente apenas no Uruguai e na Argentina, o livro chega clandestinamente ao Brasil. A obra acaba sendo um pretexto para que Jorge Amado seja preso novamente, mas dessa vez por pouco tempo. As autoridades decidem confiná-lo em Salvador, numa espécie de liberdade condicional e vigiada, mas esse regime não dura muito e, em meados de 1945, o escritor é preso novamente.
Nas eleições de 1945, Jorge Amado é eleito deputado federal, com 15.315 votos. No seu mandato, propõe a regulamentação da Lei de Liberdade de Culto, vigente até hoje. Nesse mesmo ano, já divorciado de sua primeira esposa, Matilde Garcia Rosa, Jorge Amado conhece aquela que viria a ser a companheira de uma vida inteira, a fotógrafa, escritora e também ativista política Zélia Gattai. Nesse período, publica Bahia de todos os santos, Terras do sem m, Seara vermelha e Homens e coisas do Partido Comunista.
Nas suas viagens e atividades culturais e políticas, Jorge Amado trava amizade com o poeta Pablo Neruda e sua esposa e com o fotógrafo francês Pierre Verger, radicado na Bahia por influência da leitura de Jubiabá. Em 1947, é editado O amor de Castro Alves e a produtora de cinema Atlântida compra os direitos de Terras do sem m. Ainda no cinema, Jorge Amado escreve o argumento de O cavalo número 13 e Estrela da manhã. Nasce seu primeiro filho, João Jorge. Futuramente, por ocasião do primeiro aniversário da criança, Jorge Amado escreve O gato malhado e a andorinha sinhá. No entanto, a história infantil só seria publicada no final dos anos 70.
Com o cancelamento do registro do Partido Comunista, em 1948, o mandato de Jorge Amado é cassado e seus livros são novamente considerados materiais subversivos e proibidos. O escritor exila-se com a família na Europa, uma vez que sua entrada nos EUA é vetada devido à vigência da lei anticomunista naquele país - até 1952, quando volta ao Brasil e fixa residência no Rio de Janeiro. Ao final dos anos 1950, Jorge Amado abandona a militância política, declarando que seu engajamento era prejudicial a sua atividade literária.

Educar para transformar

Reportagens
Entrevista

Educar para transformar


O filósofo Mario Sergio Cortella fala das várias agruras da sociedade moderna sob a ótica da instituição escolar.


Por Sheyla Pereira*


"É necessário que o cidadão, se detectar em determinado tipo de mídia um encaminhamento negativo de valores, uma deformação dos conteúdos éticos, um consumismo e materialismo devastadores, boicote não só o veículo como os produtos que o financiam."

CP Filosofia - Além da falta de ética verificada na mídia, tal característica pode ser encontrada em muitos outros setores, principalmente na política, como temos visto nos últimos anos, ou até mesmo em pequenos gestos familiares, com pais que ensinam determinado conceito, mas não dão o exemplo. Como ensinar o que é ética no mundo-cão que vivemos hoje?
MSC - A primeira coisa é recusar o mundocão. Recusar não significa não estar nele, mas recusar os valores que ele coloca. A família é essencial nessa postura e, de forma sequencial, a escola, a mídia e a igreja. Essas quatro instituições sociais têm uma presença enorme na vida das pessoas e também a tarefa de formação de valores que não se subordinem à ética da patifaria e da malandragem. Por outro lado, ética não é uma questão de princípios falados, e sim de natureza exemplar. É necessário lembrar que não é o outro que deve dizer o que eu devo fazer e sim as minhas convicções. O fato de todos fazerem algo errado, não me obriga a fazê-lo, mas me coloca a escolha de fazê-lo. Não se deve confundir ética com cosmética. Ética não pode ser uma coisa de fachada, seja na família, mídia ou escola. Nós temos partes podres na nossa vida social, mas elas ainda são minoritárias, mesmo tendo um grande impacto. Há milhares e milhares de homens e mulheres que são decentes e não podem ser reféns daqueles que não o são.


CP Filosofia – Está clara a proximidade entre a frágil educação e a criação de pessoas alienadas e submissas. Você acredita que este quadro vai mudar um dia? Qual a solução para uma sociedade na qual os alunos espancam professores? Em sua opinião, quais os fatores que desencadearam tal situação de desrespeito e insubordinação?
MSC – Não existe uma única causa e nem um único sujeito. Eles são múltiplos. Há a responsabilidade da família quando ela implanta a aceitação da violência nas relações, principalmente quando as crianças e jovens veem que a maneira de resolver conflitos dentro de casa é por meio da violência. Maus exemplos no dia a dia vão formando personalidades que supõem que a saída para a violência seja mais violência. Eu enxergo um cenário que precisará ser positivo. São necessárias ações cotidianas para que essas pontes para o futuro sejam criadas. A escola, por exemplo, não cria violência sozinha, apenas reproduz a violência dentro dela. Mas também pode ser um meio de diminuí-la se atuar com conteúdos que ofereçam sentidos à vida dos alunos. Só há uma solução para o problema: o enfrentamento da situação por intermédio de um mutirão de responsabilidade, que deve envolver a família, a escola, a igreja e a justiça. Muitos se omitiram, são complacentes e deixaram os professores reféns nas escolas sem se preocupar, sem participar das reuniões, sem olhar o que seus filhos estão fazendo e o resultado é esse. Algumas coisas na vida é melhor começar cedo antes que seja tarde.

João Guimarães Rosa
Escritor, poeta e médico mineiro nascido em Cordisburgo no dia 27 de junho de 1908 e falecido em 19 de novembro de 1967. Ficou conhecido por ambientar seus contos e romances no sertão nordestino e pelos elementos de inovação linguística marcados pelo viés regionalista, como nos clássicos de sua autoria “Grande Sertão: Veredas” e “Noites do Sertão”. Autoditada, conhecia idiomas de diversas nacionalidades. Tomou posse da Academia Brasileira de Letras em 1967, três dias antes de morrer.

CP Filosofia - Ainda em relação à educação, muitas vezes as crianças não sabem mensurar questões sobre minorias como pobres, negros, índios, entre outros, e acabam sendo agressivas. Como o ensino da filosofia, dentro da questão ética, pode ajudá-las em uma mudança de comportamento?
MSC - Se o ensino da filosofia trabalhar com a noção/ideia de pluralidade cultural, diversidade de vida e multiplicidade étnica, fará com que haja a compreensão do respeito à diversidade. Do outro lado, é preciso lembrar que essas minorias nas quais nos referimos são de poder e não numéricas. Pobres, negros, mulheres, homossexuais, entre outros, precisam ser tratados, no campo da ética e do ensino da filosofia, dentro do conceito que eu chamo de antropodiversidade. Lidamos muito com o conceito de biodiversidade, mas também é preciso introduzir a ideia de diversidade humana. Nessa direção, o ensino da filosofia não tem a exclusiva tarefa de fazer essa conversão, mas tem a força de oferecer fundamentos para que se pense, no campo da história humana e da reflexão filosófica, o lugar da diversidade.


CP Filosofia - A má educação das crianças muitas vezes leva ao quadro que todos nós estamos acostumados a ver, com a população carcerária crescendo a cada dia. Como você vê esse assunto?
MSC – João Guimarães Rosa já dizia que o sapo não pula por boniteza e sim por precisão. Não é que um dia talvez a gente consiga fazer isso, a gente tem que fazer. Atualmente, o Ministério Público e os Conselhos Municipais e Estaduais da Criança e do Adolescente, em parceria com o Estado, trabalham com ações nessa direção. O fato de haver uma população carcerária extensa não é um sinal de fim dos problemas. Haja vista que o país que tem a maior população carcerária do mundo são os Estados Unidos e ainda sim é uma sociedade na qual a temática da violência, do menor infrator e do consumo de droga não foi eliminada. Não é apenas o enclausuramento de parte da população que resolve isso, mas sim uma melhor distribuição de renda, boas políticas habitacionais, a capacidade de oferecer uma boa educação escolar, ofertas mais dignas de trabalho, é isso que conseguirá dar conta dessa questão. O adolescente infrator não nasceu assim e não é infrator por um gosto. A infração tem explicações. O que não se tem é uma justificativa. Eu não vou justificar o latrocínio cometido por um menino de 16 anos dizendo que ele veio de uma família pobre. Isso não justifica, mas ajuda a explicar. A pobreza não torna justa a violência, mas torna clara partes das razões para isso. É importante frisar que a infração não é exclusiva do mundo da pobreza. Há um índice elevado de pessoas com condições econômicas favoráveis que também praticam a infração e a agressividade. O adolescente infrator será sempre resultado de uma sociedade que descuida das suas crianças e jovens. É preciso terminar esse ciclo de vitimação: a sociedade abandona, cria uma vítima que é a criança, e essa mesma criança cria outras vítimas quando começa a furtar, roubar, violentar, assassinar. É preciso, mais uma vez, recusar, se juntar, enfrentar e quebrar o vício de supor que isso é normal. 

Por uma nova prática de ensino


Como é possível um aluno passar tanto tempo na escola e não saber ler e escrever?


Por Tânia de Sá Custódio


Foto: Divulgação / Shutter Stock Images

Leciono há mais de vinte anos  em escolas de ensino fundamental e ensino médio (particulares e públicas). Jamais quis deixar o ensino público, que para mim sempre foi uma constante luta de insatisfações e anseios. Até que ingressei na prefeitura municipal de São Paulo e,   por dez anos, fiquei fora da sala de aula, fui para a área administrativa.
Continuava trabalhando com o pedagógico, porém de uma forma diferente. Conversava com os alunos, com os pais, estava em constante contato com a comunidade, mas eu não pensava em aprendizagem e sim na parte disciplinar.
Depois  de tanto tempo, voltei para a sala de aula com a carga máxima e dei de cara com alunos semialfabetizados e caí em desespero. Perguntava-me: Como é possível um aluno passar  tanto tempo na escola e não saber ler e escrever? Alguns professores diziam que era normal — eu é que havia ficado muito tempo fora da sala de aula.
A  professora de português comentou comigo sobre alguns alunos e, juntas, passamos para a coordenadora pedagógica e iniciamos um trabalho em 2009, que eu adorei e não pensava que iria dar resultado. Fizemos avaliações diagnósticas com leitura e escrita e eu  entendi que tinha de estudar  e  que a interdisciplinaridade  era necessária. Comecei a entender o que era silábico, silábico com valor e sem valor e fomos adaptando as leituras e as escritas com exercícios  para um sexto ano, como cruzadinhas pequenas e com letras de forma  espaçadas. Caminhamos sem o livro didático, elaboramos um material para  os alunos  partindo da realidade deles, tudo aquilo que eu sempre escutei e nunca concordei entrava em ação e algumas reflexões eram verdadeiras. Como  a Geografia é uma disciplina  de observação,    é mais fácil fazer o aluno aprender e apreender.
Quanto ao meu simples aprendizado, passei a acreditar que o conteúdo só faz sentido quando está, de alguma maneira, atrelado ao cotidiano. Isso é possível quando o professor busca saber o que o aluno sabe, respeitando-o, levando para a sala sempre algo  para somar e não esquecer que nós professores ainda somos modelo para muitos e muitos alunos, por isso precisamos acreditar no nosso trabalho e aprimorá-lo todos os dias.

Professor, se você tem alguma experiência que queira compartilhar com outros docentes, envie-nos os detalhes no e-mail geografia@criativo.art.br

Adoniran Barbosa 100 ANOS


Em agosto de 2010 completou-se um século do nascimento de Adoniran Barbosa, compositor de samba por adoção, uma das figuras mais singulares da cultura popular brasileira


René Ferri*

Identificada inteiramente com a cidade de São Paulo, a música de Adoniran Barbosa chama atenção em primeiro lugar pelo seu "falar errado". Na verdade, o que seria uma aberração no texto de outro compositor - ser capaz de traduzir em poesia musical o jeito de falar do povo e muito de seu humor típico - é em Adoniran uma das suas grandes virtudes, um dos seus trunfos maiores como poeta popular.
Bexiga
Embora seja chamado Bexiga na obra de Alcântara Machado, o nome antigo do bairro da Bela Vista é Bixiga, como seus próprios moradores querem preservar.
LITERATURA MACARRÔNICA
Adoniran está na tradição dos homens de letras modernistas e pré-modernistas que subverteram a linguagem acadêmica e colocaram a voz do povo na literatura. Essa subversão começou entre o final do século XIX e o princípio do século XX, com a inauguração da literatura macarrônica que reagia, no princípio, contra o excesso de influência da língua francesa nas nossas letras; até mesmo poetas brasileiros da época, como João Itiberé da Cunha, do Paraná, e Egas Moniz Barreto de Aragão, da Bahia, escreveram poesia no idioma de Paul Verlaine usando os codinomes Jean Itiberé e Péthion de Villar.
A revista humorística A Careta, de alto padrão intelectual e gráfico, publicada por 42 anos seguidos (1908 a 1960), logo em seus primeiros anos inaugurou a seção La Carete Economique, do editor Mario Bhering, que aportuguesava a língua francesa com o máximo de irreverência. Na seção, que durou vários anos, eram cobertos assuntos variados em pequenas notas, além da própria literatura nacional, cujos alvos principais eram justamente nossos autores mais "franceses": os poetas românticos e parnasianos, cujos trabalhos eram zelosamente (e impiedosamente) recriados em linguagem macarrônica humorística franco-brasileira, onde se preservava a fonética da língua francesa e o mais era caricaturado, muitas vezes usando o duplo sentido para encaixar críticas; assim, "traduzia-se" feijão para feijon, cabeça para cabece, médico para médique, retrato para retrait etc. A lembrar que nos anos 1950 Adoniran fez no rádio um personagem chamado Jean Rubinet, um galã francês que falava com os mesmos recursos, o francês-brasileiro macarrônico.
JUÓ BANANÉRE
Mesmo talvez sem querer, Adoniran Barbosa se assemelha a Juó Bananére, espécie de patrono da literatura macarrônica no Brasil. Foi Bananére quem primeiro misturou comicamente o português e o italiano, em 1911, ano em que estreou no semanário humorístico O Pirralho, tabloide fundado por Oswald de Andrade e Dolor de Brito, em São Paulo; depois, em sua obra La Divina Increnca, publicada em 1915.
Juó Bananére foi o nome literário adotado por Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, nascido em 11 de abril de 1892, na cidade de Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Em outubro de 1911, Marcondes fez sua estreia como cronista na edição nº 10 de O Pirralho, substituindo Annibale Scipione - na realidade, um dos pseudônimos de Oswald de Andrade - na seção "Cartas d'Abax'o Piques", coluna escrita em linguajar macarrônico, juntando italiano e português.
Assim, Marcondes Machado criou o personagem Juó Bananére, um ítalopaulistano morador do Abax'o Piques, como era conhecido o bairro paulistano do Bixiga (hoje Bela Vista) e suas redondezas no início do século passado. O modo de falar era traduzido para a escrita com absoluta maestria por Marcondes, parodiando os imigrantes italianos que ocuparam os bairros do Brás, Barra Funda, Bixiga e Bom Retiro, em São Paulo. Marcondes Machado deu vida ao personagem, além de um estilo literário impar, incluindo uma biografia, um perfil psicológico e uma família: Juóquina, a esposa; Gurmeligna, a filha; e Semanigno, o neto.
Bananére não poupava ninguém, desde as grandes figuras da literatura, como Casimiro de Abreu, Luis de Camões, Raimundo Correa e Olavo Bilac, aos políticos poderosos, como Washington Luiz e Hermes da Fonseca, então presidente da República. Juó Bananére tornou-se um sucesso imediato. Suas frases jocosas eram repetidas pelo público, que seguia fielmente as histórias. O "gandidato á Gademia Baolista de Letras" era lido nos salões elegantes da aristocracia paulistana e também pelos trabalhadores mais humildes, num caso raro de penetração em classes sociais tão distantes.
Como anotou Cristiana Fonseca em Juó Bananére: O abuso em blague (São Paulo, SP: Editora 34, 2001) "a principal fonte de inspiração de Alexandre Marcondes Machado estava nas ruas de uma São Paulo prémodernista, causando um irrefutável sucesso de época, tendo em vista as repercussões em textos de outros autores e relatos de pesquisadores". Com Adoniran Barbosa deu-se algo muito semelhante - Adoniran escreveu letras de músicas e se expressou no radioteatro, usando com muito bom humor aquilo que viu e ouviu em suas andanças pelas ruas da capital paulista.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Elas leem melhor que eles em todos os países

Nos 65 países avaliados pelo Pisa, meninas foram melhor em leitura. Em matemática e ciências não há unanimidade

Nos 65 países onde 460 mil adolescentes de 15 anos realizaram o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa), as meninas se saíram melhor que os meninos em leitura. Já em matemática, eles vão melhor em 44 nações e elas, em 11. Na prova ciências a diferença entre gêneros é muito pequena, segundo a Organização para Cooperação dos Países Desenvolvidos (OCDE), responsável pela avaliação divulgada nesta terça-feira.

Em média, a nota feminina foi de 39 pontos a mais do que a masculina em leitura, o que equivale a um ano a mais de estudo segundo a organização. Também há uma diferença entre os percentuais que estão nas duas notas extremas. Entre as meninas, só 3,1% estão com pontuação até o nível 1 (o menor), que é considerado abaixo do básico e 10% ultrapassam o nível 5 (o mais alto). Já entre os meninos, 8,4% fizeram até 1 e só 5,3% mais que 5 (veja o que significa cada nível no gráfico com ranking).
No Brasil a diferença foi de 28 pontos, o que significa que, sem elas, a média não atingiria o nível 2 em leitura.
Eles calculam (um pouco) melhor
Em matemática, a média dos estudantes masculinos é 12 pontos mais alta do que a média das adolescentes. Entre os 44 países em que eles vão melhor que elas com os números, está o Brasil, onde os meninos fizeram 16 pontos a mais que as meninas. Em outros 11 países elas conseguiram superá-los.
Em ciências, a OCDE considera que não há diferença entre sexos. A média fica dentro da “margem de erro em 48 países” incluindo o Brasil, onde os jovens fizeram 3 pontos a mais que as jovens. Em 14 países os meninos fizeram 10 pontos a mais e em 4, as meninas é que obtiveram esse resultado.

XILOGRAVURA: UMA ARTE FENOMENAL

Teatro do Pé em "A Maldição do Cercado"

Literatura de Cordel

A literatura de cordel é uma espécie de representação da cultura popular escrita, em formato de poesia, impressa e divulgada em folhetos ilustrados com o processo de xilogravura. Ganhou este nome, pois é exposta ao povo amarrados em cordões, que são estendidos em pequenas lojas de mercados populares, feiras, praças ou até mesmo nas ruas. Muitos historiadores e antropólogos estudam este tipo de literatura com o objetivo de buscarem informações preciosas sobre a cultura e história de uma época.
Em meio à ficção resgatam-se dados sobre vestimentas, crenças, comportamentos, objetos, linguagem, arquitetura, etc. Esta literatura chegou ao Brasil através dos portugueses, na segunda metade do século XIX, e aos poucos foi se tornando popular. O objetivo de mostrar esta literatura é trazer, não só aquilo que todos conhecem, mas também curiosidades, tais como: as variações da metrificação deste estilo, os grandes escritores, bem como informar a existência da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.
Demonstraremos, com isso, a existência de estudos especí­ficos sobre a estrutura narrativa por temas/estórias, uma possí­vel classificação de perí­odos e também que esta forma de escrever influenciou alguns escritores brasileiros, a saber: Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto. Convém ressaltar que tal literatura também é utilizada no nordeste como forma de alfabetizar e em outros estados brasileiros, por alguns professores, como forma de introduzir a poesia e a literatura para crianças.
Proporemos desta forma apresentar alguns exemplares para manuseio e leitura, afim de despertar o interesse na comunidade cientí­fica acerca do aprofundamento destes estudos. Os futuros educadores da lí­ngua portuguesa devem ter motivação em buscar fenômenos literários contemporâneos desenvolvidos no Brasil, ainda que estas sejam predominantes em algumas regiões. Com base nesta exposição trazer à tona a interatividade lingüí­stico/cultural da Lí­ngua Portuguesa.
“Preste atenção por favor
na história que vou contar
ela explica o que é cordel
grande manifestação popular.”
( Paulo Araújo )
A literatura de cordel, aos poucos, foi se tornando cada vez mais popular. Trata-se de uma poesia folclórica e popular com raí­zes no nordeste do Brasil. Consiste, basicamente, em longos poemas narrativos chamados romances ou histórias impressos em folhetins ou panfletos de 32 ou, raramente, 64 páginas que falam de amores, sofrimento ou aventuras, num discurso heróico de ficção.
Em todo o mundo, desde tempos imemoriais, a grande tradição da literatura culta correspondeu à transmissão oral de contar histórias em praças públicas ou teatros reais. Quando surgiram as máquinas impressoras, a divulgação dessas obras de pequena tradução literária estendeu-se a um número maior de leitores: algumas eram escritas em prosa a maioria, porém, aparecia em versos, pois era mais fácil, a um público analfabeto, decorar versos e mais versos, lidos por alguém.
Esta foi brevemente a trajetória daquilo que se chamou, na França, Literatura de Colportage (mascate); na Inglaterra Chapbook, ou balada; na Espanha Pilego Suelto, em Portugal, Literatura de Cordel ou folhas volantes. No Brasil e também na América espanhola a mesma trajetória foi seguida. Também aqui se conta e se canta em prosa e verso. Há em todo o paí­s uma longa tradição e a presença sempre atuante de cantorias, improvisos e desafios: os poetas populares dizem , em versos, suas mágoas, alegrias, esperanças e desesperos do dia-a-dia.
“E depois de achar o mote
que o cordelista procura
Qual o tamanho do verso e
como é sua estrutura?”

Os folhetos de cordel possuem um número variável de páginas: 8, 16, 32 ou 48. Os dois primeiros tipos são, geralmente, destinados a contar algo ocorrido na região – os chamados versos noticiosos. Os mais longos são romances, que narram histórias de ficção ou da carochinha. Os versos são escritos em sextilhas ““ estrofes de seis linhas com sete sí­labas poéticas cada uma com o seguinte esquema de rimas: AXBXCX, raramente são escritos em setilhas AXBXCCX ou décimas, que obedece ao esquema de rimas já consagrado na categoria de viola: ABBAAXXOOX
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Néya Maciel, graduanda do segundo ano do curso de Letras pela CEULAR (Centro Claretiano) em Batatais-SP, iniciou sua pesquisa sobre a Literatura de Cordel em 2006, a qual pretende utilizar como tema de seu TCC em 2008, sugerindo que o Cordel não é somente um folclore popular, divulgando assim sua história, seus representantes e a evolução desta modalidade literária.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Brasil fica em 53º lugar em prova internacional que avalia capacidade de leitura


 
O Brasil obteve o 53º lugar, em uma lista de 65 países, numa prova internacional que avaliou a capacidade de leitura de estudantes com 15 anos. Além da leitura, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) também avaliou as habilidades dos estudantes em matemática e ciências.
O exame, que é aplicado a cada três anos, é divulgado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Juntos, os países que participam do Pisa representam aproximadamente 90% da economia mundial.
No Pisa 2009, o foco de análise foi a leitura. Nesse ranking, o Brasil obteve 412 pontos --a China, primeira colocada, chegou a 556 pontos. Foram avaliados diversos aspectos na leitura, como a capacidade de reflexão, avaliação e interpretação dos alunos, por exemplo.
De acordo com o relatório divulgado pela OCDE, o Brasil teve "um grande ganho" na nota de leitura nos últimos anos. Apesar disso, o país ainda fica atrás de Chile (44º), Uruguai (47º), Trinidad e Tobago (51º) e Colômbia (52º). Por outro lado, o Brasil conseguiu ficar à frente da Argentina (58º) e do Peru (63º).
Em ciências, os estudantes brasileiros ficaram com 405 pontos. Em matemática, a nota ficou em 386 pontos (a China obteve 600 nesse quesito).
DIFICULDADES
O relatório apontou que o Brasil tem dificuldades para melhorar a educação, uma vez que o país é grande e tem muitas escolas rurais.
Sobre o levantamento, o Ministério da Educação afirmou que o Brasil está entre os países que mais cresceram no Pisa nos últimos anos, cumprindo a meta do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) de atingir a média 395 pontos nas três matérias.

1China (Xangai) *556
2Coreia539
3Finlândia536
4China (Hong Kong) **533
5Cingapura526
6Canadá524
7Nova Zelândia521
8Japão520
9Austrália515
10Holanda508
11Bélgica506
12Noruega503
13Estônia501
14Suíça501
15Polônia500
16Islândia500
17Estados Unidos500
18Liechtenstein499
19Suécia497
20Alemanha497
21Irlanda496
22França496
23Taiwan495
24Dinamarca495
25Reino Unido494
26Hungria494
27Portugal489
28China (Macau)**487
29Itália486
30Letônia484
31Eslovênia483
32Grécia483
33Espanha481
34República Tcheca478
35Eslováquia477
36Croácia476
37Israel474
38Luxemburgo472
39Áustria470
40Lituânia468
41Turquia464
42Emirados Árabes Unidos459
43Rússia459
44Chile449
45Sérvia442
46Bulgária429
47Uruguai426
48México425
49Romênia424
50Tailândia421
51Trinidad e Tobago416
52Colômbia413
53Brasil412
54Montenegro408
55Jordânia405
56Tunísia404
57Indonésia402
58Argentina398
59Casaquistão390
60Albânia385
61Qatar372
62Panamá371
63Peru370
64Azerbaijão362
65Quirguistão314

*Municipalidade autônoma
**Regiões administrativas especiais

LARISSA GUIMARÃES
DE BRASÍLIA

domingo, 5 de dezembro de 2010

Prêmio Nobel de literatura de 2010 vai para Mario Vargas Llosa

Academia Sueca destacou caráter político da obra do escritor peruano.
Autor de 'Pantaleão e as visitadoras' venceu o Prêmio Cervantes em 1994.


O prêmio Nobel de literatura de 2010, divulgado nesta quinta-feira (7) às 8h (horário de Brasília), foi para o escritor peruano Mario Vargas Llosa, de 74 anos.
De acordo com a Academia Sueca, a escolha seu deu por conta da "cartografia das estruturas do poder e afiadas imagens de resistência, rebelião e derrota do indivíduo" que aparecem na obra de Llosa.
Peter Englund, presidente do júri de literatura do Nobel, afirmou que Vargas Llosa se disse "muito comovido e entusiasmado" ao saber do prêmio. O escritor, que está em Nova York, onde é professor visitante na Universidade de Princeton, contou a Englund que "tinha levantado às cinco da manhã para dar uma aula" e que quando recebeu a notícia já "trabalhava intensamente".
Llosa receberá um prêmio no valor de 10 milhões de coroas suecas (1,5 milhão de dólares). A cerimônia de premiação está marcada para o dia 10 de dezembro.
A liberdade e a democracia são o verdadeiro caminho do progresso, que acredito que seja o papel de um escritor defender"
Vargas Llosa em entrevista à rádio RCN
Autor de romances marcados por questões políticas da América Latina - e não raro autobiográficas -, como "A cidade e os cachorros", "Pantaleão e as visitadoras", "A festa do bode" e "Travessuras da menina má", Llosa já havia vencido, entre outros, o Prêmio Cervantes, o mais importante da literatura em língua espanhola, em 1994. O Brasil costuma ser tema de seus textos, sejam ensaios políticos ou romances, como em "A guerra do fim do mundo", de 1981, inspirado na Guerra de Canudos.

09/12/2010 - TRINTA E TRÊS ANOS SEM CLARICE LISPECTOR

Clarice Lispector

sábado, 4 de dezembro de 2010

LINGUÍSTICA TEXTUAL: QUO VADIS?

DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada

 
Ingedore Grunfeld Villaça Koch
(Universidade Estadual de Campinas)
 
 
ABSTRACT: This paper aims to discuss the future ¾ and the proper survival of Textlinguistics this millenium, and the challenges it has to face in order to contribute to the development of Human Sciences in a new era.
KEY-WORDS: Textlinguistics; Human Sciences; Tasks for the next millenium.

 
RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir o futuro ¾ e a própria sobrevivência ¾ da Lingüística Textual neste milênio e os desafios que terá de enfrentar para contribuir para o desenvolvimento das Ciências Humanas numa nova era.
PALAVRAS-CHAVE: Lingüística Textual; Ciências Humanas; Tarefas para o novo milênio.

 
 
Introdução
"Quo vadis, Textlinguistik?" É com estas palavras que Heinemann & Viehweger (1991) encerram o capítulo introdutório de seu livro Textlinguistik: Eine Eiführung, intitulado "O que é e o que pretende a Lingüística Textual?"
Por seu turno, Antos (1997) propõe que, para se obter uma resposta a essa questão, se parta da pergunta: "O que deve e o que pode explicar a L.T.?". Segundo ele, para se chegar a uma resposta conclusiva, importa saber o que a L.T. tem-se proposto explicar, desde o seu surgimento, ou melhor, com qual conceito de texto vem trabalhando. O que pode verificar é que várias concepções de texto têm acompanhado a história dessa disciplina, levando-a a assumir formas teóricas diversas, entre as quais se podem destacar:
1. texto como frase complexa (fundamentação gramatical)
2. texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (fundamentação semântica)
3. texto como signo complexo (fundamentação semiótica)
4. texto como ato de fala complexo (fundamentação pragmática)
5. texto como discurso "congelado"¾ produto acabado de uma ação discursiva (fundamentação discursivo-pragmática)
6. texto como meio específico de realização da comunicação verbal (fundamentação comunicativa)
7. texto como verbalização de operações e processos cognitivos (fundamentação cognitivista)
Poderíamos nos perguntar, também, dizem Antos & Tietz (1997), se, nestes trinta anos de existência, a Lingüística Textual desempenhou apenas um papel de "hóspede" da Lingüística, talvez um modismo como tantos outros, ou, então, se ela se tornou uma ciência integrativa de várias outras ciências (Retórica, Estilística, Teoria dos Gêneros, Teoria da Argumentação, Narratologia etc.), vindo a constituir uma "Ciência ou Teoria da Linguagem" (van Dijk, 1978)? Ou se ela faz parte integrante do domínio estabelecido da lingüística, quem sabe até do seu núcleo central? E, se for assim, quais seriam os prognósticos que se podem fazer quanto ao seu futuro? E indagam ainda: será que todas essas perguntas surgem apenas porque a Lingüística textual entrou numa fase de consolidação de tal forma espetacular que questões sobre a justificação de sua existência estariam tão fora de propósito quanto, por exemplo, questões sobre a Semântica, a Fonologia ou a Sintaxe?
O que se pôde, com efeito, verificar é que, na época do surgimento da Lingüística Textual, em função do conceito de texto então majoritário, a maioria dos estudiosos se dedicava à análise transfrástica e/ou à construção de gramáticas do texto, de modo que o objeto precípuo de estudo era a coesão (isto é, a propriedade de hang together, de cohere), por isso, muitas vezes equiparada à coerência, já que ambas eram vistas como qualidades ou propriedades do texto.
Uma das tônicas da década de 80 foi justamente a ampliação significativa do conceito de coerência, quando, adotando-se uma perspectiva pragmático-enunciativa, passou-se a postular que não se trata de mera propriedade ou qualidade do texto em si, mas de um fenômeno muito mais amplo: a coerência se constrói, em dada situação de interação, entre o texto e seus usuários, em função da atuação de uma complexa rede de fatores, de ordem lingüística, sócio-cognitiva e interacional. Vieram a público diversas coletâneas sobre o tema (Charolles, Petöfi & Sözer, 1983; Neubauer, 1983; Petöfi, 1986; Sözer, 1985; Conte, Petöfi & Sözer, 1989, entre várias outras), além de artigos e obras individuais. Também no Brasil, as pesquisas sobre coesão e coerência textuais tiveram grande desenvolvimento, frutificando em uma série de obras sobre o assunto. Podem-se mencionar, entre muitos outros, os trabalhos de Marcuschi (1983), Koch (1987,1989, 1992); Koch & Travaglia (1989, 1990); Fávero (1991) e Bastos (1985). Além disso, outros critérios de textualidade passaram a ser objeto das pesquisas sobre o texto, tais como informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade, aceitabilidade (cf. Beaugrande & Dressler, 1981), contextualização, focalização, consistência e relevância.
É também nessa década que se delineia com vigor a abordagem cognitiva do texto, especialmente a partir dos estudos de Van Dijk e Kintsch, que vai ganhando cada vez mais terreno e passa a dominar a cena no início da década de 90, agora, porém, com forte tendência sócio-cognitivista.
 
1. Situação atual
A partir desse momento, com o desenvolvimento cada vez maior das investigações na área de cognição, as questões relativas ao processamento do texto, em termos de produção e compreensão, às formas de representação do conhecimento na memória, à ativação de tais sistemas de conhecimento por ocasião do processamento, às estratégias sócio-cognitivas e interacionais nele envolvidas, entre muitas outras, passaram a ocupar o centro dos interesses de diversos estudiosos do campo. A título de exemplo, podem-se destacar as obras de Heinemann & Viehweger (1991), Koch & Oesterreicher (1990), Nussbaumer (1991), Adam (1990 e 1993), de van Dijk (1994, 1995,1997), entre várias outras. No Brasil, pode-se citar uma série de trabalhos desenvolvidos por Marcuschi e por Koch (Marcuschi & Koch, 1998; Koch & Marcuschi, 1998; Marcuschi, 1998, 1999; Koch, 1997, 1998, 1999), para citar apenas alguns.
Além da ênfase que se vem dando aos processos de organização global dos textos, assumem importância particular as questões de ordem sócio-cognitiva, que envolvem, evidentemente, as da referenciação, inferenciação, acessamento ao conhecimento prévio etc.; o tratamento da oralidade e da relação oralidade/escrita; e o estudo dos gêneros textuais, este agora conduzido sob outras luzes ¾ isto é, a partir da perspectiva bakhtiniana, voltando, assim, a questão dos gêneros a ocupar lugar de destaque nas pesquisas sobre o texto e revelando-se hoje um terreno extremamente promissor.
A questão da referenciação textual, por exemplo, vem sendo objeto de pesquisa de um grupo de autores franco-suíços (Projeto Cognisciences), entre os quais se podem destacar Apothéloz, Kleiber, Charolles, Berrendonner, Reichler-Béguelin, Chanêt, Mondada e D. Dubois. Estes autores têm dedicado especial interesse a questões como a criação dos "objetos-de-discurso", a anáfora associativa, sua conceituação e sua abrangência, as operações de nominalização e suas funções, entre várias outras com elas de alguma forma relacionadas. O principal pressuposto destas pesquisas é o da referenciação como atividade discursiva, como é postulado também em Marcuschi & Koch,1998a; Koch & Marcuschi, 1998b; Marcuschi, 1998; Koch, 1998). Desta forma, de conformidade com Mondada & Dubois (1995) e Apothéloz & Reichler-Béguelin (1995:228ss), postula-se que a referência é sobretudo um problema que diz respeito às operações efetuadas pelos sujeitos à medida que o discurso se desenvolve; e que o discurso constrói os "objetos" a que faz remissão ("objetos-de-discurso"), ao mesmo tempo que é tributário dessa construção.
O estudo do texto falado, que envolve também questões de ordem sócio-cognitiva e interacional, ganha, neste momento, uma projeção cada vez maior e toma rumos diferentes dos da Análise da Conversação, como se pode verificar na obra de Koch & Oesterreicher (1990) e em inúmeros projetos voltados para a descrição da modalidade oral da língua, tanto na Europa, como na América. É o caso, no Brasil, do Projeto de Gramática do Português Falado, idealizado por Castilho, que tem como uma de suas vertentes o estudo da organização textual-interativa no português falado no Brasil, esta coordenada por Koch. É o caso, também, do Projeto NURC/SP, coordenado por Preti, e do NELFE ¾ Núcleo de Estudos Lingüísticos sobre Fala e Escrita, coordenado por Marcuschi.
Quanto à questão dos gêneros, acima mencionada, cabe ressaltar a releitura que vem sendo feita da obra de Bakhtin (1953), na qual o autor apresenta a sua conceituação de gêneros do discurso. Além de obras importantes como, por exemplo, a de Tadros, na Inglaterra, e de autores da Escola Norte-americana, como Miller, Freedman, Coe e Bazerman, bem como, na França, a de Jean-Michel Adam (1993), destacam-se, nesse domínio, os trabalhos da equipe de Ciências da Educação da Universidade de Genebra, conduzidos por Bernard Schneuwly, Joachim Dolz e Jean-Paul Bronckart, que procedem a essa releitura com finalidades didáticas, isto é, do ponto de vista de suas aplicações educacionais.
Este grupo, que considera o gênero como suporte das atividades de linguagem, define-o com base em três dimensões essenciais: 1) os conteúdos e os conhecimentos que se tornam dizíveis a partir dele; 2) os elementos das estruturas comunicativas e semióticas partilhadas pelos textos reconhecidos como pertencentes a determinado gênero; 3) as configurações específicas de unidades de linguagem, traços, principalmente, da posição enunciativa do enunciador, bem como dos conjuntos particulares de seqüências textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura. Estabelece, portanto, distinção entre gêneros, tipos discursivos e seqüências textuais (narrativas, expositivas, argumentativas), estas vistas como esquemas básicos que entram na constituição dos diversos gêneros e variam menos que estes em função das circunstâncias sociais. O gênero, assim definido, atravessa a heterogeneidade das práticas de linguagem e faz emergir toda uma série de regularidades no uso. São as dimensões partilhadas pelos textos pertencentes ao gênero que lhe conferem uma estabilidade de facto, o que não exclui, evidentemente, evoluções, por vezes, importantes.
 
2. Perspectivas futuras
Retomemos, agora, a questão: Qual será o futuro dos estudos sobre o texto? Ou, colocando a questão de forma mais pessimista, pode-se dizer que a Lingüística Textual tem algum futuro?
Verificou-se que, desde seu aparecimento até hoje, a Lingüística Textual percorreu um longo caminho e vem ampliando e modificando a cada passo seu espectro de preocupações. De uma disciplina de inclinação primeiramente gramatical (análise transfrática, gramáticas textuais), depois pragmático-discursiva, ela transformou-se em disciplina com forte tendência sócio-cognitivista: as questões que ela se coloca, neste final de século, são as relacionadas com o processamento sócio-cognitivo de textos escritos e falados.
Uma primeira questão que se coloca é como ela se irá posicionar diante de novas perspectivas, e, em especial, com relação a novos meios de representação do conhecimento, como é o caso, por exemplo, do hipertexto, suporte lingüístico-semiótico hoje intensamente utilizado para estabelecer interações virtuais desterritorializadas, caracterizado fundamentalmente pela ausência de linearidade, traço inerente aos textos tradicionais. Que conseqüências terá isto para a delimitação de seu domínio? Que novos procedimentos metodológicos ela deverá desenvolver?
Com relação a todas essas questões posta com relação ao futuro da disciplina, gostaria aqui de mencionar duas obras que, neste final de século, apontam aberturas que considero de grande relevância:
1) A nova obra de R. de Beaugrande: "New Foundations for a Science of Text and Discourse: Cognition, Communication, and Freedom of Access to Knowledge and Society" (Novos Fundamentos para uma Ciência do Texto e do Discurso: Cognição, Comunicação e Liberdade de Acesso ao Conhecimento e à Sociedade) ¾ publicada em 1997, em que o autor, além de fazer uma excelente retrospectiva da lingüística textual desde suas origens até os nossos dias, aponta as suas perspectivas e tarefas futuras. Afirmando que "hoje, a lingüística de texto é provavelmente melhor definida como o subdomínio lingüístico de uma ciência transdisciplinar do texto e do discurso", o autor passa a definir o texto como "um evento comunicativo no qual convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais", postulando como motto da lingüística textual de nossos dias: "Um texto não existe como texto, a menos que alguém o processe como tal". Desta forma, os princípios de textualização deixam de ser vistos como critérios ou padrões que um texto deve satisfazer, mas como um conjunto de condições que conduz cognitivamente à produção de um evento interacionalmente comunicativo. Isto é, os sete padrões de textualidade propostos em Beaugrande & Dressler (1981) não são critérios que permitem identificar as fronteiras entre um texto e um não texto, mas sim as condições para uma ação lingüística, cognitiva e social na qual eles operam como modos de conectividade em níveis diversos, mas interrelacionados.
Uma Lingüística Textual como ciência do discurso e do texto deveria, pois, montar seus modelos com base em uma agenda mínima (Beaugrande, 1997: 144-145), que consiste em: a) definição dos objetivos (por exemplo, "liberdade de acesso ao conhecimento e à sociedade através do discurso"); b) definição dos termos-chave e conceitos numa terminologia sistemática, com um uso consistente (termos vistos como centros de controle para a ativação global de conhecimentos sociais, discursivos cognitivos); c) acesso às atividades implicadas pela construção do modelo como ações cognitivas, discursivas e sociais (ações de identificação, conexão, experienciação, temporalização, espacialização, observação, mensuração, predição etc.).
2) O trabalho recente de Gerd Antos ¾ "Texte als Konstitutionsformen von Wissen" (Textos como formas de constituição do conhecimento) ¾ também publicado em 1997, in Antos & Tietz (orgs.), Die Zukunft der Textlinguistik, na qual o autor defende a posição de que textos são, lingüística, conceptual e perceptualmente, formas de cognição social e que seu papel, no contexto da evolução do conhecimento, é o de constituir-se em ponto de partida e de chegada para ancoragem da Lingüística de Texto no quadro de uma teoria da evolução cultural. Antos, em sua argumentação, parte das seguintes premissas:
¾A moderna evolução do conhecimento, com sua multiplicidade cultural, histórica e funcional, seria impossível sem a existência de textos, formas lingüísticas da constituição e organização do conhecimento complexo. Esquece-se, muitas vezes, que todo conhecimento coletivamente válido é sempre um conhecimento lingüisticamente constituído e, só desta forma, sociocognitivamente existente, como também o fato de que as formas de constituição textual necessitam elas mesmas desenvolver-se no curso da evolução da sociedade; ou seja, o que se pode (ou se permite) ser representado, por quais meios, gêneros, variedades ou estilos, de que maneira (entorno temporal ou espacial, modo etc.) está na dependência de tradições históricas e socioculturais.
¾Os textos não são apenas meios de representação e armazenamento (arquivos) de conhecimento ¾ portanto, não são apenas "realizações" lingüísticas de conceitos, estruturas e processos cognitivos ¾ mas sim formas básicas de constituição individual e social do conhecimento, ou seja, textos são lingüística, conceitual e perceptualmente formas de cognição social. Incluem-se aí todos os modos de uso comunicativo de formas coletivas do conhecimento, que necessitam ser considerados como formas de distribuição comunicativa do conhecimento: somente assim, nas sociedades modernas, o conhecimento coletivo complexo pode reivindicar validade e relevância social. Isto é, os textos são, por um lado, formas de elaboração, diferenciação e estruturação de conhecimento e, por outro, formas de controle, crítica e transformação, bem como de constituição e apresentação ("retoricamente" orientada) do conhecimento, visando ao que, em termos bakhtinianos, se denominaria uma comunicação responsiva ativa. Todo o conhecimento declarativo de nossa sociedade é (com exclusão daquele que se traduz em números ou fórmulas, primariamente lingüístico, ou melhor, conhecimento textualmente fundado.
¾Pressupondo-se uma visão processual e dinâmica do conceito de texto, os textos, pelo fato de só poderem estruturar o conhecimento de forma seletiva, são, por um lado, apenas "estações intermediárias" para a criação de outros textos; e, por outro lado, pontos de partida para a assimilação textualmente baseada do conhecimento ("texto na memória"). É por isso que, com plena consciência, Antos prefere falar de textos, no plural, ressaltando que o plural deve sinalizar que cada texto individual, apesar de ¾ ou justamente em razão de ¾ sua força constitutiva do conhecimento, depende da ativação de outros domínios deste (preconcebidos, ativação de pressuposições, inferências, saber intertextual etc.).
A partir de tais premissas, Antos apresenta doze teses, dentre as quais gostaria de destacar as seguintes:
¾Os textos constituem formas de organização do conhecimento complexo pelo fato de fornecerem formatos para a arquitetura lingüística (verbal) do conhecimento socio-cognitivo relevante. A arquitetura formal dos textos constitui a organização lingüística, conceitual e perceptual do conhecimento. É por esta razão que os extos, de uma perspectiva constitutiva do conhecimento ¾ ainda que em sentido fraco ¾ podem ser concebidos como teorias sobre aspectos do mundo. Compreendidos como formas de cognição social, os textos estruturam universos de conhecimento social relevante: por isso é que se pode dizer, de uma perspectiva socioconstrutivista, que textos são modelos sobre mundos, isto é, sobre complexos de estados de coisas estruturados e selecionados sob dada perspectiva. Em outras palavras, é por meio de textos que tais mundos são criados (ou a cada nova recepção e reprodução, re-criados).
¾Determinados aspectos da realidade social são criados por meio da representação dessa realidade e só assim ganham validade e relevância social. Os textos não só tornam visível o conhecimento, mas sobretudo tornam-no sócio-cognitivamente existente. Para tanto, a seletividade no processamento textual desempenha papel relevante: escolha do tema, do médium, da perspectiva, da focalização ou da organização figura/fundo, balanceamento entre dito e não-dito (ou seja, a relação entre pressupostos, explícitos e inferíveis), a escolha da modalidade (verdade, verossimilhança, ficcionalidade), bem como o emprego de recursos estilísticos etc. Todos estes aspectos interrelacionam-se com a arquitetônica textual.
¾Os textos são condição de possibilidade de se tornar o conhecimento explícito, de segmentá-lo, diferenciá-lo, pormenorizá-lo, de inseri-lo em novos contextos, permitir sua reativação, de testá-lo, avaliá-lo, corrigi-lo, reestruturá-lo, tirar novas conclusões a partir daquilo que já é compartilhado e de representar lingüisticamente, de forma nova, novas relações situacionais e sociais.
Antos ressalta três aspectos decisivos da concepção por ele proposta:
1) Textos como modelos de mundos dão origem por definição, enquanto Modelos de algo', a concatenações (Zuammenhänge) de sentido coerentes.
2) Como modelos, eles incorporam 'conhecimento sobre algo', caso contrário, permaneceriam proposicionalmente vazios.
3) Textos como modelos precisam ser, via de regra, formulados lingüisticamente, para poder preencher pressupostos cognitivos e comunicativos.
Daí resulta que, tomando por base o conceito de texto assim estabelecido, é possível pleitear uma Lingüística de Texto fundamentada numa Teoria da Evolução Cultural, cujo objeto será explicitar a evolução cultural da geração (e re-geração), organização e transmissão de formas de cognição social e de formas de uso social do conhecimento (inclusive formas de distribuição comunicativa). Ou seja, cabe-lhe por tarefa explicitar todo e qualquer aspecto da evolução (hoje universal) do conhecimento que diga respeito a modelos e formas lingüísticas, conceptuais e perceptuais do conhecimento, bem como aos modos de seu emprego comunicativo.
 
3. Considerações finais
Os textos, como formas de cognição social, permitem ao homem organizar cognitivamente o mundo. E é em razão dessa capacidade que são também excelentes meios de intercomunicação, bem como de produção, preservação e transmissão do saber. Determinados aspectos de nossa realidade social só são criados por meio da representação dessa realidade e só assim adquirem validade e relevância social, de tal modo que os textos não apenas tornam o conhecimento visível, mas, na realidade, socio-cognitivamente existente. A revolução e evolução do conhecimento necessita e exige, permanentemente, formas de representação notoriamente novas e eficientes.
Assim, a Lingüística Textual, com esta nova concepção de texto, parece ter-se tornado um entroncamento, para o qual convergem muitos caminhos, mas que é também o ponto de partida de muitos deles, em diversas direções. Esta metáfora da Lingüística de Texto como estação de partida e de passagem de muitos ¾ inclusive novos ¾ desenvolvimentos abre perspectivas otimistas quanto a seu futuro, como parte integrante não só da Ciência da Linguagem, mas das demais ciências que têm como sujeito central o ser humano.
A Ciência ou Lingüística do Texto sente necessidade de intensificar sempre mais o diálogo que já há muito vem travando com as demais Ciências ¾ e não só as Humanas! ¾, transformando-se numa "ciência integrativa" (Antos & Tietz, 1997). É o caso, por exemplo, do diálogo com a Filosofia da Linguagem, a Psicologia Cognitiva e Social, a Sociologia Interpretativa, a Antropologia, a Teoria da Comunicação, a Literatura, a Etnometodologia, a Etnografia da Fala e, mais recentemente, com a Neurologia, a Neuropsicologia, as Ciências da Cognição, a Ciência da Computação e, por fim, com a Teoria da Evolução Cultural. Torna-se, assim, cada vez mais, um domínio multi ¾ e transdisciplinar, em que se busca compreender e explicar esse objeto multifacetado que é o texto ¾ fruto de um processo extremamente complexo de interação construção social de conhecimento e de linguagem.
 
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DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada