Racional
Arnauld (escrita por volta do terceiro quartel do século XVII). A
contribuição talvez mais interessante dessas gramáticas gerais para a
Lingüística tenha sido justamente a de estabelecer princípios que não
se prendiam à descrição de uma língua particular mas de pensar a
linguagem em sua generalidade.
O século XVIII, época da gramática geral e da descrição de línguas
modernas, é caracterizado pela retomada dos temas discutidos com
maior ênfase até o Renascimento. Quer dizer: a teoria e descrição
prevalecem novamente, enquanto a história e comparação tornam-se
assunto de interesse secundário.
O século XIX é o momento da lingüística histórica e das gramáticas
comparadas. A contribuição dessas gramáticas foi evidenciar que as
mudanças das línguas são regulares. Pode-se dizer, então, conforme
Almeida, que este século representa um retorno ao principal interesse
que estava em primeiro plano no Renascimento: a comparação e a
história, colocando o tema teórico-descritivo num patamar de menor
importância.
No século XX os interesses lingüísticos voltaram-se para a teoria e
descrição, retomando, assim, a temática que predominara no século
XVIII. Como é sabido, tanto no Renascimento quanto no século XIX o
que prevaleceu foi o historicismo. Dessa forma a lingüística,
naturalmente, não podia ser de natureza diferente.
Atualmente, pode-se afirmar que há, como já foi citado
anteriormente, um campo de interfaces entre diferentes áreas de
conhecimento, tornando a Lingüística uma ciência ampla, onde há
muitos estudos sobre a linguagem.
Importante destacar o que Benveniste,citado anteriormente,
apresenta em sua obra: há uma diferença entre ciência da linguagem
e ciência da língua, pois a linguagem, faculdade humana, inata e
universal do homem, não é a mesma coisa que a língua, que é
particular e variável. A Lingüística se ocupa de estudar os fenômenos
da língua, porém o que ocorre é que os problemas infinitamente
diversos das línguas têm em comum o fato de que, a um certo grau
de generalidade, põem sempre em questão a linguagem. Pensar nisso
tudo é lembrar de Ferdinand de Saussure, que simboliza um marco
no percurso dos estudos lingüísticos, pois foi com ele que a
linguagem virou objeto de um estudo mais preciso, mais cientifico e
objetivo. Suas concepções teóricas ficaram conhecidas após sua
morte, a partir de 1916, com a publicação do livro “Curso de
Lingüística Geral”, elaborado a partir de notas e aulas
comentadas,informações tiradas pelos alunos, nos vários cursos que
ministrou. Passados anos, foi publicado o material original do teórico,
com suas próprias anotações, suas próprias defesas teóricas.
Entretanto,é o primeiro livro que se destaca na história dos estudos
da linguagem humana.
Apesar de não haver uma organização seqüencial muito delimitada,
por serem anotações de aulas, ou seja, muitas vezes o que era dito
numa aula, poderia ser reformulado em outra, lendo o “Curso de
Lingüística Geral”, conseguimos perceber a visão saussureana de que
linguagem é algo vivo. A Lingüística deixa de ser um estudo com
perspectiva histórica e passa a ter um valor diacrônico e sincrônico.
Estudar a linguagem não envolve apenas conhecer seu panorama
histórico, pois, de acordo com Saussure( 1974), a língua, por ser
fonte viva, pode ser avaliada sincronicamente, existente com um
estado,um momento no tempo, isto é, não precisamos mais contar
toda história d a língua para saber com ela está.
A grande idéia do teórico é a de que a língua é um sistema e seu
elemento não pré-existe ao sistema de qual ele faz parte. A língua é
uma estrutura organizada que envolve não somente traços físicos,
articulatórios, mas também aspectos sociais. De acordo com
Saussure, a Lingüística deve investigar as manifestações da
linguagem humana, sejam individuais ou sociais. Para não deixar
muito amplo, é preciso tornar a língua a norma de todas outras
manifestações da linguagem, já que é seu produto social, é um
depósito pertencente a todos os seres humanos. Como se sabe, a
linguagem é multifacetada (envolve físico, psicológico, fisiológico,
individual e social) e heteróclita. A língua é um sistema de signos,
parte social da linguagem que não pode ser modificada facilmente
pelos indivíduos, pois obedece a um contrato social. O conjunto
linguagem-língua inclui a fala, que é o ato individual, é o jeito de
cada falante utilizar o código da língua. Para Saussure, língua e fala
são inseparáveis, só falamos porque há língua, só existe língua pelo
exercício da fala. Ambas são objetos concretos.
O teórico analisa a linguagem como algo duplo, conforme afirma
Benveniste(1995), já que se forma por duas partes, cada uma das
quais não tem valor a não ser pela outra ( há idéia de relação). Em
outras palavras, Saussure não trata o estudo da língua como
dicotômico, conforme se pensara até então, mas como relação, algo
só existe a partir de outro algo. Tudo tem relação para Saussure e
escrever sobre os estudos lingüísticos é escrever sobre a língua e a
fala, sobre o individual e o social, sobre o paradigma e o sintagma,
enfim, estudar a língua é estabelecer relações.
Conforme já dito, a língua se relaciona com a fala, pois não tem
realidade em si própria para além de sua realidade como refletor do
sistema subjacente de uso lingüístico aceitável, conforme afirma
Crystal(1988), que também argumenta que é isto que conduz ao
conceito de fala, o real, o concreto, o individual: a atividade
psicolingüística controlada (ou pelo menos controlável) que ouvimos.
É uma atividade, segundo Crystal, pessoal, dinâmica e social que
produz num tempo e num lugar específicos e numa situação
especifica (opondo-se à língua, que é independente de qualquer
manifestação da fala). A língua só pode ser analisada a partir de
várias falas, a fim de criar regras generalizadas. Só se constrói
ciência generalizando normas.
A noção de signo lingüístico criada por Saussure é a chave para os
estudos da linguagem. Ao falar em signo não se pode deixar de lado
as observações do teórico sobre articulação, som e língua. As sílabas
que se articulam são impressões acústicas percebidas pelos ouvidos,
mas os sons não existiriam sem os órgãos vocais. Não se reduz a
língua ao som, nem separamos o som da articulação vocal.
Reciprocamente não se pode definir os movimentos dos órgãos vocais
se fizer abstração da impressão acústica. De acordo com Saussure, o
som não passa de um instrumento do pensamento e não existe por si
mesmo. O som é uma unidade complexa acústico-vocal que forma
com a idéia uma unidade complexa fisiológica e mental. Para atribuir
à língua o primeiro lugar no estudo da linguagem, o teórico afirma
que a “faculdade- natural ou não- de articular palavras não se exerce
senão com a ajuda do instrumento criado e fornecido pela
coletividade; não é então ilusório dizer que língua que faz a unidade
da linguagem” (1974:18).
O signo, objeto de estudo da lingüística, une o conceito a uma
imagem acústica (não é uma coisa que une a uma palavra). A
imagem acústica é a representação virtual da palavra, uma
impressão desta. Tal imagem é sensorial, material. O signo pode ser
definido como o resultado da associação de um significante a um
significado. Este, para Saussure, quer dizer conceito. A natureza do
signo lingüístico é arbitrária, pois não tem relação natural com a
realidade.Vale ressaltar que entre o significante e o significado o laço
não é arbitrário, ele se torna necessário, a arbitrariedade é entre o
signo e a realidade. O falante não pode mudar de uma hora para
outra o significante de um conceito, pois é algo imotivado, ou seja, o
conceito “mesa” se forma conscientemente com o conjunto fônico
“m-e-s-a”. Para Benveniste (1995), o significante, o significado, a
representação mental e a imagem acústica são na verdade as duas
faces de uma mesma noção e se compõem juntas como o
incorporado e o incorporante. O significante é a tradução fônica de
um conceito; o significado é a contrapartida mental do significante e
é a consubstancialidade entre o significado e o significante que ocorre
a unidade estrutural do signo lingüístico.
Outra relação estabelecida por Saussure é entre sintagma e
paradigma. Qualquer frase, para o teórico, é uma seqüência de
signos, em que cada signo contribui com algo par ao significado do
todo e em que cada um se opõe a todos os outros signos da língua.
Ou seja, um signo é o que outro não é. Há uma relação sintagmática,
isto é, uma relação linear entre os signos que estão presentes na
frase. Ao dizer “eu amo chocolate”, há uma relação entre os signos
que estão ordenados de um modo especifico para provocar uma
significação especifica. As relações também podem ser
paradigmáticas, ou seja, relação entre um signo presente numa frase
e outro que não esteja presente nela, mas que existe na língua e que
poderia ser utilizado no lugar. Ao invés de “chocolate”,poderia ser
“maça”e a relação continuaria valendo,pois os dois signos podem ser
considerados pertencentes a um mesmo conjunto,a um subsistema.
Ou seja, é feita uma escolha de qual signo usar em cada posição. O
seu valor é em relação aos outros signos usados na frase. Para
Saussure, o significado é definido pelas relações paradigmáticas e
sintagmáticas, a linguagem é uma vasta rede de estruturas e
sistemas.
Benveniste resume bem a importância de Saussure ao afirmar que
este foi quem mostrou que a linguagem em si mesma não comporta
nenhuma dimensão histórica, de que é sincronia e estrutura, de que
só funciona em virtude de sua natureza simbólica.
Benveniste retoma as dualidades de Saussure envolvendo a
linguagem, mostrando que nenhum termo oposto tem valor pos si
mesmo ou remete a uma realidade substancial, mas tem valor por se
opor a algo. Assim, a linguagem não oferece nenhuma de suas
manifestações uma substância, mas somente ações combinadas ou
isoladas de forças fisiológicas, psicológicas, mentais; e, como afirma
o teórico, é claro que não podemos tornar como objeto da analise
lingüística um fato material, por exemplo, um segmento de um
enunciado ao qual não se prenderia nenhuma significação,
considerando-o com simples produção do aparelho vocal ou uma
vogal isolada. Não temos uma substância, mas uma operação de
abstração e de generalização para definirmos e delimitarmos o objeto
do estudo. Interessa, a partir de Saussure, a famosa frase: “é o
ponto de vista que cria o objeto”.
Tal noção é de suma importância para os estudos da linguagem, é
uma grande contribuição teórica, pois as coisas só existem depois de
decidirmos isso. É o método que cria o objeto. A partir disso, é
possível conceber tantas teorias sobre o mesmo assunto “linguagem”,
e respeitar todas, já que cada uma defende sua posição teórica a
partir de uma metodologia escolhida para aplicação. Como se
percebe, Ferdinand de Saussure não foi importante apenas com sua
teoria, mas também com sua metodologia. Os estudos de Lingüística
mudaram a partir do “Curso de Lingüística Geral”. Aberta essa porta,
muitos estudos seguem sendo feitos. Hoje,conseguimos entender
como o ser humano processa seu pensamento, a partir da linguagem,
conseguimos entender a noção de subjetividade, a partir de estudos
lingüísticos. Enfim, entendemos que o século XXI promete ser o
século da pesquisa lingüística voltada aos problemas
subjetivos,sendo,portanto fundamental o processo de interface que
vêm ocorrendo entre diferentes áreas de conhecimento,a fim de uma
servir de suporte a outra.
A linguagem é a via de comunicação entre os seres humanos e,
por isso, entende-se que há muitos estudos ainda a serem realizados
sobre tal assunto, já que compreender o ser humano e suas ações
não é tarefa fácil.É preciso muitos teóricos a serviço disso e o ponto
de partida continua sendo a palavra, pois no princípio era o Verbo.
REFERÊNCIAS
SANTIAGO-ALMEIDA, Manuel Morivaldo.
algumas reflexões.