sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Adoniran Barbosa 100 ANOS


Em agosto de 2010 completou-se um século do nascimento de Adoniran Barbosa, compositor de samba por adoção, uma das figuras mais singulares da cultura popular brasileira


René Ferri*

Identificada inteiramente com a cidade de São Paulo, a música de Adoniran Barbosa chama atenção em primeiro lugar pelo seu "falar errado". Na verdade, o que seria uma aberração no texto de outro compositor - ser capaz de traduzir em poesia musical o jeito de falar do povo e muito de seu humor típico - é em Adoniran uma das suas grandes virtudes, um dos seus trunfos maiores como poeta popular.
Bexiga
Embora seja chamado Bexiga na obra de Alcântara Machado, o nome antigo do bairro da Bela Vista é Bixiga, como seus próprios moradores querem preservar.
LITERATURA MACARRÔNICA
Adoniran está na tradição dos homens de letras modernistas e pré-modernistas que subverteram a linguagem acadêmica e colocaram a voz do povo na literatura. Essa subversão começou entre o final do século XIX e o princípio do século XX, com a inauguração da literatura macarrônica que reagia, no princípio, contra o excesso de influência da língua francesa nas nossas letras; até mesmo poetas brasileiros da época, como João Itiberé da Cunha, do Paraná, e Egas Moniz Barreto de Aragão, da Bahia, escreveram poesia no idioma de Paul Verlaine usando os codinomes Jean Itiberé e Péthion de Villar.
A revista humorística A Careta, de alto padrão intelectual e gráfico, publicada por 42 anos seguidos (1908 a 1960), logo em seus primeiros anos inaugurou a seção La Carete Economique, do editor Mario Bhering, que aportuguesava a língua francesa com o máximo de irreverência. Na seção, que durou vários anos, eram cobertos assuntos variados em pequenas notas, além da própria literatura nacional, cujos alvos principais eram justamente nossos autores mais "franceses": os poetas românticos e parnasianos, cujos trabalhos eram zelosamente (e impiedosamente) recriados em linguagem macarrônica humorística franco-brasileira, onde se preservava a fonética da língua francesa e o mais era caricaturado, muitas vezes usando o duplo sentido para encaixar críticas; assim, "traduzia-se" feijão para feijon, cabeça para cabece, médico para médique, retrato para retrait etc. A lembrar que nos anos 1950 Adoniran fez no rádio um personagem chamado Jean Rubinet, um galã francês que falava com os mesmos recursos, o francês-brasileiro macarrônico.
JUÓ BANANÉRE
Mesmo talvez sem querer, Adoniran Barbosa se assemelha a Juó Bananére, espécie de patrono da literatura macarrônica no Brasil. Foi Bananére quem primeiro misturou comicamente o português e o italiano, em 1911, ano em que estreou no semanário humorístico O Pirralho, tabloide fundado por Oswald de Andrade e Dolor de Brito, em São Paulo; depois, em sua obra La Divina Increnca, publicada em 1915.
Juó Bananére foi o nome literário adotado por Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, nascido em 11 de abril de 1892, na cidade de Pindamonhangaba, interior de São Paulo. Em outubro de 1911, Marcondes fez sua estreia como cronista na edição nº 10 de O Pirralho, substituindo Annibale Scipione - na realidade, um dos pseudônimos de Oswald de Andrade - na seção "Cartas d'Abax'o Piques", coluna escrita em linguajar macarrônico, juntando italiano e português.
Assim, Marcondes Machado criou o personagem Juó Bananére, um ítalopaulistano morador do Abax'o Piques, como era conhecido o bairro paulistano do Bixiga (hoje Bela Vista) e suas redondezas no início do século passado. O modo de falar era traduzido para a escrita com absoluta maestria por Marcondes, parodiando os imigrantes italianos que ocuparam os bairros do Brás, Barra Funda, Bixiga e Bom Retiro, em São Paulo. Marcondes Machado deu vida ao personagem, além de um estilo literário impar, incluindo uma biografia, um perfil psicológico e uma família: Juóquina, a esposa; Gurmeligna, a filha; e Semanigno, o neto.
Bananére não poupava ninguém, desde as grandes figuras da literatura, como Casimiro de Abreu, Luis de Camões, Raimundo Correa e Olavo Bilac, aos políticos poderosos, como Washington Luiz e Hermes da Fonseca, então presidente da República. Juó Bananére tornou-se um sucesso imediato. Suas frases jocosas eram repetidas pelo público, que seguia fielmente as histórias. O "gandidato á Gademia Baolista de Letras" era lido nos salões elegantes da aristocracia paulistana e também pelos trabalhadores mais humildes, num caso raro de penetração em classes sociais tão distantes.
Como anotou Cristiana Fonseca em Juó Bananére: O abuso em blague (São Paulo, SP: Editora 34, 2001) "a principal fonte de inspiração de Alexandre Marcondes Machado estava nas ruas de uma São Paulo prémodernista, causando um irrefutável sucesso de época, tendo em vista as repercussões em textos de outros autores e relatos de pesquisadores". Com Adoniran Barbosa deu-se algo muito semelhante - Adoniran escreveu letras de músicas e se expressou no radioteatro, usando com muito bom humor aquilo que viu e ouviu em suas andanças pelas ruas da capital paulista.


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