Uma análise do quadro As Meninas, do artista espanhol Diego Velázquez, a partir do pensamento de autores como Foucault, Lacan e Quinet
Por Oswaldo Henrique duek Marques
Pesquisadores de vários campos do conhecimento, como a história das artes, a literatura, a filosofia e a psicanálise, continuam a buscar uma interpretação fidedigna do quadro As Meninas, pintado por Velázquez no século 17. Segundo Jonathan Brown, o tempo não desgasta o quadro, mas o enriquece, motivo pelo qual cada geração deve aceitar o desafio de interpretá-lo, revitalizando-o perpetuamente (BROWN, p. 115). As inúmeras interpretações do quadro, a partir de vários pontos de vista, tornam sedutor e atual seu estudo, sempre aberto a novos enfoques.
Neste trabalho, a partir de breve comentário sobre a vida de Velázquez e sobre As Meninas, com referência a algumas interpretações históricas dessa obra, serão destacados os pensamentos de Michel Foucault, em As Palavras e as Coisas - como marco da episteme clássica -, de Jacques Lacan e de Antonio Quinet, com a intenção de proporcionar uma análise comparativa entre esses autores.
Como veremos neste estudo, Jacques Lacan, secundado por Antonio Quinet, sustenta que a pintura As Meninas e a tela de costas nela contida fazem parte de um jogo apresentado por Velásquez, como uma carta virada para o espectador, o que obriga a todos que olham a obra a arriarem suas cartas, dando suas interpretações. Dessa óptica, ao final deste estudo, tentaremos também baixar nossas cartas, apresentando nossas conclusões e interpretações como frutos da nossa imaginação.
Velázquez e as intrepações de As Meninas
Diego Rodríguez de Silva y Velázquez (1599-1660), nascido em Sevilha, foi nomeado em outubro 1623 "pintor do rei" - encarregado de retratos reais -, passando a residir em Madri com a família (BUENDIA e ÁVILA, p. 8). Além dessa função, era responsável pelas habitações, mobiliário e limpeza do palácio.
Em 1656, Velázquez finaliza sua obra célebre, conhecida como As Meninas, expressão portuguesa aplicada às damas de honra - ou de companhia - da princesa Margarida María, representada no centro do quadro (BUENDIA e ÁVILA, p. 74). Em 1666, no inventário do Palácio, esse quadro havia recebido a denominação de "Su Alteza la Emperatriz con sus damas y un enano". Em 1734, foi intitulado "La familia del rey Felipe IV". Somente em 1843 recebeu a denominação de "Las Meninas", quando foi incluído no catálogo do Prado por Pedro de Madrazo (BROWN, p. 116). Além da figura de Velázquez, em autorretrato, segurando com uma das mãos um fino pincel e, com a outra, uma paleta, vê-se, ao centro do quadro, a Infanta sendo atendida por duas damas de honra: María Augustina Sarmiento, que lhe oferece uma jarra de água, e Isabel de Velasco. No ângulo direito estão os anãos Mari Bárbola e Nicólas Pertusato. O plano médio está ocupado pela dama de honra Marcela de Ulloa e, a seu lado, um guarda-damas sem identificação. Atrás, em uma porta aberta, aparece José Nieto, aposentador da rainha. Finalmente, refletidos em um espelho, ao fundo, os reis Felipe IV e Margarida da Áustria (BROWN, p. 115).
Por razões de decoro, em razão da presença da família real, esse quadro, de grandes proporções (3,18 x 2,76m), não foi pintado no estúdio de Velázquez, mas em uma sala maior e mais solene. No quadro, as figuras possuem tamanho aproximadamente natural (BROWN, p. 121 e 127). A Cruz de Santiago, no colete do pintor, foi agregada três anos depois de terminada a pintura, quando nomeado cavaleiro dessa ordem. Esta, fundada no século 12, era uma das mais elitistas da aristocracia espanhola, e lhe foi conferida em 28 de novembro de 1659 (BROWN, p. 138 e 141). Há, contudo, uma lenda segundo a qual essa cruz foi pintada por Felipe IV ou por determinação deste após a morte de Velázquez (DIEGO VELÁZQUEZ, p. 88).
Nessa obra, os reis figuram como personagens semissecretas, porquanto suas imagens vagas, refletidas em um espelho, situam-se em um lugar indefinido, acentuando o mistério do quadro (BUENDIA e ÁVILA, p. 74). Dentre as interpretações conhecidas da obra, podem ser citadas duas conclusões do arquiteto espanhol Ramiro de Moya. De acordo com a primeira, o espelho ao fundo refletia o próprio quadro, no qual os reis estavam sendo retratados, e não o reflexo deles em pessoa. Consoante a segunda, Velázquez utilizou um manequim para retratar-se do ponto exterior no qual pintava a cena (BROWN, p. 118).
Para Lucas Jordan, As Meninas é a "teologia da pintura", diante da complexidade oculta por trás da simplicidade aparente da obra. Dentre as intenções do artista, "persiste a dúvida de que o espelho seria, na verdade, uma tela. Nesse caso, o que pintaria Velázquez? Um autorretrato? Ou As meninas, um quadro dentro de um quadro? Perguntas que, sem dúvida, constituem um ingrediente substancial dessa obra" (DIEGO VELÁZQUEZ, p. 90).
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