Eu, tu, eles e nós
Aluna: Sara Viviane Almeida de Oliveira
Professora: Kaline Shirley da Silva Nascimento
Escola: E. E. Tarcísio Maia; Cidade: Pau dos Ferros – RN
Não diria que esse fato é comum apenas onde moro, porque não é. Mas, em meio a essa euforia ufanista e ao otimismo em que nosso país se encontra, diria que as pessoas preferem vendar seus próprios olhos para não vê-los em qualquer lugar: tentar mantê-los, de alguma forma, escondidos em becos tétricos; ignorá-los até é muito comum. Eles não parecem importantes, mas estão sempre lá, quer você os veja, quer não.
Eu particularmente prefiro não ir a festas. Parece-me um mundo à parte comandado pelo nosso mundo, e essa junção me aterroriza. Na ocasião a que me refiro, porém, estava eu na feira promovida pelo município para comemorar sua emancipação política, a Finecap. Não me orgulho de dizer-lhes isso, mas aquela foi a primeira vez que eu notei que eles existiam. Certamente, muitos deviam ter percebido antes de mim, mas em uma festa tão importante quem se importaria com eles? A noite seria longa para todos... Para eles, principalmente.
Estava eu em uma barraquinha de sorvetes que ficava no centro da feira, próximo ao palco. Meus pais pediram uma pizza, um sorvete para mim e minha irmã, pizza novamente, mas para meu avô. Sentei em uma cadeira de ferro dobrável próxima a uma mesa amarela, já meio enferrujada, de modo que ficasse de frente para as pessoas. O vento começava a ficar frio com a chegada das altas horas, porém mais e mais pessoas chegavam conforme os
ponteiros do meu relógio avançavam. Alguns olhavam os estandes, outros, como eu, ficavam com a família em barracas de lanche, enquanto a grande maioria esperava a chegada das bandas que iriam tocar. É sempre assim. Ninguém vem pelos eventos culturais, apenas para dançar até o dia seguinte.
Enquanto tomava meu sorvete e minha família conversava, passei a observar o ir e vir incansável das pessoas. Eram muito diferentes, percebia-se logo; entretanto, estavam todos vestidos com o mais apurado esmero; compraram perfumes franceses especialmente para a ocasião. Meninas de chapinha e de jeans muito justos, maquiagem e sempre alguma bijuteria. Os garotos passavam conversando, com seus cabelos moicanos reluzentes pelo gel, exibindo seus tênis novos em folha. Crianças com suas roupinhas infantis recém-compradas diante da aglomeração e dos vendedores de pulseiras brilhantes, sempre de mãos dadas firmemente com seus pais. Os adultos, também elegantes, esbarravam vez por outra neles, os únicos com roupas gastas e desbotadas. Não pediam desculpas. Seguiam em frente como se não valesse a pena olhar para trás, ou mesmo para a raquítica mão estendida que pedia tantas vezes uma moeda.
Os garotos magrinhos passavam carregando sacolas repletas de latinhas de alumínio que amassavam com os pés. A tez morena era quase unânime, variando bastante nos tons. Os cabelos negros, despenteados e malcuidados, balançavam ao vento por precisarem já de corte. Alguns usavam sandálias visivelmente velhas e desgastadas. Muitos andavam de pés descalços. Carregavam no olhar inquieto contraste: a esperteza que eram obrigados a ter para sobreviver e, ao mesmo tempo, temor.
Eles eram muitos, por toda parte. Anônimos em meio a tanto garbo, procuravam meios de superar suas não poucas dificuldades, em silêncio. Não reclamavam de parecerem invisíveis.
Voltei a mim quando minha mãe me chamou para irmos assistir ao show. Percebi que o sorvete acabou derretendo. Não importava. Nesse momento, a minha venda acabara de cair, e se manteria assim desde que o espectro do egoísmo não voltasse a reatá-la.
Lembro-me de que no dia seguinte falei sobre todos eles a quem eu conhecia, para que também suas vendas caíssem e passassem a valorizar a existência desses que por aí vivem como se não fossem também parte de nós. Talvez, se o fantasma do egocentrismo voltar a assombrá-los, terão para combatê-lo uma certa luz denominada solidariedade, que orientaria não só eles, mas você, eu, nós.
Professora: Kaline Shirley da Silva Nascimento
Escola: E. E. Tarcísio Maia; Cidade: Pau dos Ferros – RN
Não diria que esse fato é comum apenas onde moro, porque não é. Mas, em meio a essa euforia ufanista e ao otimismo em que nosso país se encontra, diria que as pessoas preferem vendar seus próprios olhos para não vê-los em qualquer lugar: tentar mantê-los, de alguma forma, escondidos em becos tétricos; ignorá-los até é muito comum. Eles não parecem importantes, mas estão sempre lá, quer você os veja, quer não.
Eu particularmente prefiro não ir a festas. Parece-me um mundo à parte comandado pelo nosso mundo, e essa junção me aterroriza. Na ocasião a que me refiro, porém, estava eu na feira promovida pelo município para comemorar sua emancipação política, a Finecap. Não me orgulho de dizer-lhes isso, mas aquela foi a primeira vez que eu notei que eles existiam. Certamente, muitos deviam ter percebido antes de mim, mas em uma festa tão importante quem se importaria com eles? A noite seria longa para todos... Para eles, principalmente.
Estava eu em uma barraquinha de sorvetes que ficava no centro da feira, próximo ao palco. Meus pais pediram uma pizza, um sorvete para mim e minha irmã, pizza novamente, mas para meu avô. Sentei em uma cadeira de ferro dobrável próxima a uma mesa amarela, já meio enferrujada, de modo que ficasse de frente para as pessoas. O vento começava a ficar frio com a chegada das altas horas, porém mais e mais pessoas chegavam conforme os
ponteiros do meu relógio avançavam. Alguns olhavam os estandes, outros, como eu, ficavam com a família em barracas de lanche, enquanto a grande maioria esperava a chegada das bandas que iriam tocar. É sempre assim. Ninguém vem pelos eventos culturais, apenas para dançar até o dia seguinte.
Enquanto tomava meu sorvete e minha família conversava, passei a observar o ir e vir incansável das pessoas. Eram muito diferentes, percebia-se logo; entretanto, estavam todos vestidos com o mais apurado esmero; compraram perfumes franceses especialmente para a ocasião. Meninas de chapinha e de jeans muito justos, maquiagem e sempre alguma bijuteria. Os garotos passavam conversando, com seus cabelos moicanos reluzentes pelo gel, exibindo seus tênis novos em folha. Crianças com suas roupinhas infantis recém-compradas diante da aglomeração e dos vendedores de pulseiras brilhantes, sempre de mãos dadas firmemente com seus pais. Os adultos, também elegantes, esbarravam vez por outra neles, os únicos com roupas gastas e desbotadas. Não pediam desculpas. Seguiam em frente como se não valesse a pena olhar para trás, ou mesmo para a raquítica mão estendida que pedia tantas vezes uma moeda.
Os garotos magrinhos passavam carregando sacolas repletas de latinhas de alumínio que amassavam com os pés. A tez morena era quase unânime, variando bastante nos tons. Os cabelos negros, despenteados e malcuidados, balançavam ao vento por precisarem já de corte. Alguns usavam sandálias visivelmente velhas e desgastadas. Muitos andavam de pés descalços. Carregavam no olhar inquieto contraste: a esperteza que eram obrigados a ter para sobreviver e, ao mesmo tempo, temor.
Eles eram muitos, por toda parte. Anônimos em meio a tanto garbo, procuravam meios de superar suas não poucas dificuldades, em silêncio. Não reclamavam de parecerem invisíveis.
Voltei a mim quando minha mãe me chamou para irmos assistir ao show. Percebi que o sorvete acabou derretendo. Não importava. Nesse momento, a minha venda acabara de cair, e se manteria assim desde que o espectro do egoísmo não voltasse a reatá-la.
Lembro-me de que no dia seguinte falei sobre todos eles a quem eu conhecia, para que também suas vendas caíssem e passassem a valorizar a existência desses que por aí vivem como se não fossem também parte de nós. Talvez, se o fantasma do egocentrismo voltar a assombrá-los, terão para combatê-lo uma certa luz denominada solidariedade, que orientaria não só eles, mas você, eu, nós.
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