terça-feira, 12 de outubro de 2010

Ler para aprender* de (Lia Scholze** )

A principal função da escola é desenvolver no(a) aluno(a) a capacidade de aprender a aprender. Uma das ferramentas fundamentais para que este processo se instale é o domínio da linguagem; ele é adquirido pela leitura e pela escrita e vai repercutir em todas as áreas do conhecimento.
Com a leitura, apreendemos as idéias que circulam na sociedade, seus valores, suas disputas, os lugares que cada um ocupa no tecido social e como se dá a mobilidade das idéias e das pessoas.

Na escola fundamental, as aulas de português dão ênfase excessiva ao ensino da gramática, em detrimento do desenvolvimento da leitura e da escrita. O aluno precisa aprender a dominar as habilidades da língua, que são, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais: ler, escrever, ouvir e falar.

As literaturas Universal, Nacional e Regional têm, cada uma, valores inestimáveis. Autores do porte de Hemingway, Balzac, Eça, Dostoievski, Victor Hugo, nos dão uma dimensão ampliada de mundo. Machado, Alencar, Aluísío de Azevedo, Chico Buarque, Clarice Lispector e muitos outros bons escritores brasileiros nos apresentam o nosso país.

Todos esses textos e muitos que não citei, mais os jornais diários e revistas, ampliam nossa percepção do mundo e ajudam o(a) professor(a) a cumprir melhor a missão escolhida: ser professor(a) de Língua e Literatura.

As avaliações dos alunos — como a prova de cruzinha, escolha simples, múltipla escolha, preenchimento de lacunas — e o fim da prova dissertativa e da exposição oral contribuem para desestimular o aprendizado da leitura e da escrita, O livro didático conquistou seu lugar; é um recurso interessante enquanto roteiro de sugestões e possibilidades de trabalho para o professor e para o aluno, porém, limitador, se usado com exclusividade.

O ato de ter e escrever exige disciplina, concentração e trabalho. Os gregos desenvolviam a persuasão mediante grandes debates nas arenas públicas. Para eles, a política se desenvolvia na Ágora e era compreendida como a “disputa por meio de palavras”. Os homens deixavam para os escravos e para as mulheres as tarefas relativas à satisfação das necessidades materiais, ficavam livres para interagir com os demais em grandes disputas de oratória e dedicavam-se aos negócios públicos, que lhes garantiam o direito à imortalidade (por isso não temos nenhuma grande filósofa na Grécia antiga). Com Aristóteles, a escrita substituiu a lembrança. As idéias foram imortalizadas no texto escrito e precisavam, agora, obedecer a uma lógica e ter materialidade. Só muito recentemente as mulheres conquistavam o direito à palavra no ambiente público.

A experiência grega pode ser trazida para a sala de aula de nossas escolas. Ao encomendar redação aos(às) alunos(as), pretendemos que eles(as) organizem suas idéias de forma clara, concisa, progressiva, lógica, com criatividade, etc.

Caro professor (a), se nós não conseguimos fazer com que nosso aluno domine minimamente a função utilitarista da língua, como vamos pretender que ele seja leitor e escritor eficaz? Como vamos querer que ele se deixe capturar por este mundo letrado?

Nós, professores, temos a tarefa de prepará-los, ajudando-os em primeiro lugar a superar o pânico da “folha em branco”, e isso pode ser feito sutilmente, em gotas homeopáticas. O primeiro texto do aluno não precisa, necessariamente, ser uma redação; o texto dissertativo exige maturidade e informação, domínio da linguagem, a habilidade da argumentação. Precisamos introduzi-lo em estágios anteriores. Acredito, mesmo, que redação (por ser um texto dissertativo) só deveria ser escrita no ensino médio, quando o aluno já possui uma boa maturidade e já criou hábitos de leitura e de escrita.

Como prepará-los, então?

No ensino fundamental, os alunos devem escrever narrativas, diálogos, poesias, contos; fazer resenhas de livros, colocando suas opiniões sobre determinados personagens, enredo, final da história; dizer por que gostaram do livro e se recomendam ou não para seus colegas de classe. Este tipo de prática vai desenvolver neles uma leitura crítica e perspicaz. Eles vão, aos poucos, percebendo por que gostam de determinada leitura e preferem abandonar outras. Vão se tornando leitores qualificados, identificando estilos e tendências.

Leitura dirigida só deve ser adotada se acompanhada de discussão; do contrário, o ideal mesmo é a leitura livre. Para isso, temos que contar com uma boa biblioteca —escolar ou pública.

A existência de bibliotecas públicas, em especial as infantis, é um fator de extrema importância na formação dos leitores, e o local deve ser aprazível, acolhedor, e contar com profissionais interessados em trabalhar como mediadores de leitura, e. não como guardadores de livros.

A criação de uma biblioteca na sala de aula a partir da aquisição de livros em sebos (lojas de livros usados), orientada por uma lista construída como sugestão pela professora e complementada pelo livreiro, pode ser uma experiência interessante.

Deve-se criar uma ambiência de leitura na sala de aula. Quem não compra pode pedir emprestado. Todos podem trazer seu livro, que, depois de lido, pode ser trocado com os colegas. Os empréstimos podem vir dos próprios colegas, de professores, de parentes, de vizinhos, de patrões das mães diaristas ou empregadas domésticas. A única exigência a se ter feita é de que sejam livros de ficção, pois estamos falando de literatura.

Na leitura de jornais e revistas, deve-se tentar identificar os tipos de texto apresentados nesses veículos — editoriais, entrevistas, boxe (com pequenas notícias), reportagens, etc.
—, analisando, em cada um deles, os tipos de linguagem e recursos usados; observar a relação dos títulos com o conteúdo e as ilustrações — fotos, mapas, quadros estatísticos —, tentando entender o conjunto do texto; analisar editoriais, capas, sumários, créditos, propagandas (que financiam as publicações); perceber os objetivos de cada publicação. Os jornais podem vir de toda a parte — os de grande circulação, os de sindicatos, associações de bairros, igrejas, etc. O material deve ser o mais variado possível.

A escrita também deve ser variada. Pode-se criar o jornal na sala de aula e expô-lo para leitura no saguão da escola. Ë importante a criação de uma equipe editorial, designar o editor-chefe, produzir o editorial, etc., tentando imitar um jornal de verdade. As informações devem ser sobre cultura, esportes, eventos de escola, um artigo de fundo sobre questões latentes; deve ser criada a capa, incluir propaganda e ilustrações. O trabalho com propagandas também é interessante, tanto a análise como sua produção. A criação de uma marca, contendo linguagem imperativa ou apelativa usando recursos como as gravuras, desenhos, cores, etc., é o tipo de exercício muito interessante para os adolescentes. Dessa experiência pode nascer o jornal da Escola.

Outra linguagem a ser explorada é a das tirinhas cômicas e os cartuns e quadrinhos. A qualidade da produção dos alunos irá nos surpreender.

Uma exposição de poesias pode dar um efeito muito bom. Estas devem ser feitas em papel pardo, com letras de forma, e pregadas nos corredores da escola. Sem dúvida, todos irão parar para ler. Depois da exposição, o material deve ser recolhido e transformado em álbum seriado, para análise e discussão dentro da sala de aula. Aí serão discutidas questões gramaticais e de redação.

Essas experiências podem ser levadas para o ensino de 3.º grau e de pós-graduação, pois se faz necessário pensar em metodologias que, além de ajudar os(as) alunos(as) e melhorarem seus próprios textos e criarem eles também hábitos de leitura ainda não adquiridos (estou falando, basicamente, de alunos de Língua e Literatura que já estão atuando ou que pretendem ser professores), possam levá-los a discutir como trabalhar com os alunos de ensino fundamental e médio.

Uma boa prática no ensino da língua é dar ênfase à leitura e à escrita. O fato é que nem sempre os cursos de Letras oferecem formação nesta área — muitas vezes não se aprende como ensinar. A saída que os novos professores encontram é a de imitar seus próprios professores, não desenvolvendo inovações metodológicas mais apropriadas para as atuais necessidades dos alunos. Muitas vezes, as aulas da faculdade são muito teóricas e não visam à prática da sala de aula. Os estágios também não têm muito efeito no preparo dos novos mestres.
A mudança nos currículos é condição para ajudar a reverter os estarrecedores números de baixo desempenho no Saeb, no Enem, no Pisa, etc. O Brasil não consegue recuperar o investimento que faz na Educação (o Projeto de criação do Fundeb prevê investimento de R$ 4,3 bilhões) em termos de resultados práticos.

A escola, como um todo, deve ter responsabilidade pelos seus resultados, não apenas o professor de Português. No Projeto Político Pedagógico (PPP) deve constar como objetivo o acompanhamento do desempenho dos alunos, e o professor que não der conta de sua tarefa deve ser ajudado a desenvolver uma metodologia de resultados.

O jovem precisa da escola não só para aprender, mas para ser cidadão. A escola deve ser o elemento agregador, o lugar de conflitos e crescimento e, sobretudo, de reconhecimento. A turma da escola é a melhor lembrança na vida adulta, e o professor deve ser lembrado como aquele que ajudou no seu processo de aprendizagem e amadurecimento.

Qualquer profissional é cobrado se não mostrar um bom desempenho. O resultado do nosso trabalho está no sucesso do nosso aluno. Temos o dever de procurar ajudá-lo a alcançar o sucesso. E, neste caso, devemos ajudá-lo a vencer o desafio da prova do Enem.

* Título original era “Conversando com professores – Dicas para uma redação nota 10”.
** Mestre em Teoria Literária (PUCRS), Doutora em Educação (UFRGS), Pesquisadora na Área da Linguagem. Coordenadora da Linha Editorial e Publicações do lnep.

(Artigo extraído da Revista do Enem – 2006.)

www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op

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