Das cartas manuscritas a plataforma Ning
Em 1999, o rapper Dudu de Morro Agudo, ou DMA, inicia um movimento que mudaria sua vida. Escreve e envia três cartas para três rappers: um de São Paulo, um da Paraíba e outro do Piauí convidando-os a participarem do movimento Enraizados. Das três cartas, o rapper recebeu 70 respostas e isso o incentivou a criar o Portal Enraizados. Em 2003, o Movimento Enraizados já estava presente em todo o país. Recebeu o convite para fazer parte do MHHOB (Movimento Hip Hop Organizado Brasileiro) e discutir Políticas Públicas para a Juventude junto com organizações de outras partes do Brasil. O que era uma idéia é hoje sua forma de vida. Dudu do Morro Agudo junto com Luiz Carlos Dumontt trabalham e vivem da ação da Rede Enraizados. “O diferencial é que hoje há uma integração internacional. Há uma conexão de outras periferias através das novas tecnologias”, avalia Dumontt.São projetos artísticos aprovados junto a empresas privadas e instituições governamentais que abrem um mercado de trabalho para jovens grafiteiros, escritores, poetas e atores. “Para trabalhar com Arte, da periferia ou não, acho que a saída é essa”, avalia o Dudu. Na Cooperifa, o músico, ex-taxista e atualmente educador na Fundação Casa – instituição ligada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, Jairo Periafricania Rodrigues afirma estar nesse trabalho em função da sua atuação na Cooperifa. “Estou na Cooperifa há cinco anos. Aprendi muita coisa ali e continuo aprendendo, conhecendo pessoas, comungando, trocando idéias e trabalhos.” Jairo é um dos poetas que tem fortes influências do movimento Hip Hop, suas apresentações no sarau são como improvisos de rap, conhecida por Poesia Cantada na Cooperifa.
O Hip Hop permeia muito desses coletivos de artistas periféricos. Mas o ritmo e a poesia, como argumenta Nelson Maca, do BlackiTude, começa a tomar cor local no Rio de Janeiro, em Salvador e Brasília. “O nosso movimento tem influência de várias modalidades de Hip Hop dos EUA. Internamente, neste sentido, vêm mais de São Paulo. Mas chega com muita força em Salvador outros modelos de cultura Hip Hop, agora europeu, como a França. O oposto do rap favela. O rap mais “elaborado”, mais “musical” nas bases e mais “literário”, mais metafórico nas letras. Internamente este diálogo está mais acentuado com o Rio de Janeiro da geração L.A.P.A. Mas vejo também uma terceira via no Hip Hop que se faz na Bahia: a procura de uma linha africanizada. Não tanto pelo diálogo com o rap africano, mas com a cultura negra da cidade”, avalia Maca.
Com essa forte influência do Hip Hop não se deve estranhar tantos rappers e grafiteiros nos coletivos periféricos. O rap do brasiliense GOG faz parte desse movimento periférico, ele acaba de lançar o cd e dvd “Cartão Postal Bomba”. Para GOG o surgimento de vários coletivos artísticos está acontecendo no mundo inteiro. “No Brasil não é diferente: Mocambo, Ribeirinho, Só Balanço, Blackitude, Hip Hop da Floresta, Quilombo Urbano, entre vários outros coletivos, espalhados por nosso território trabalham com o pressuposto de falar e propagar suas experiências locais, sua cultura. Exemplificando: em São Paulo a expressão é “mano”, em Brasília é “véi”!”
A Rede Enraizados é fruto desse encontro de movimentos sociais e o Hip Hop. A formação cultural vem das ruas, pela internet e termina na Universidade, onde vários integrantes ingressam para aprimorar. Para Dumontt o desafio agora é ampliar o público consumidor; “temos dois desafios: fazer com que as pessoas que moram nas periferias consumam o produto cultural e que elas entendam que os artistas merecem receber por seu trabalho. Na zona sul do Rio, o público entende que tem que pagar para assistir a uma peça, aqui na periferia o pessoal ainda acha que deve acontecer de graça.”
Das cartas manuscritas à plataforma Ning, a Rede Enraizados cresceu e hoje tem diversas possibilidades de se manifestar criativamente. A última novidade são os filmes que estão produzindo. São obras coletivas, encontros de um dia onde conversam, criam um roteiro básico e improvisam no diálogo. Histórias sobre gravidez na adolescência, desentendimentos com os pais e frustrações amorosas são alguns dos temas tratados. Dudu do Morro Agudo está terminando um documentário. “As mães do Hip Hop” fala do movimento através do olhar feminino. Na entrevista com Dudu ele conta sobre o início, sobre o movimento hip hop, a política e arte de viver na periferia.
Portal RAIZ.: Porque vocês se reuniram?
Dudu do Morro Agudo: Foi através do Hip Hop. A baixa auto estima e as letras explosivas do rap me deram coragem para escrever cartas para os leitores da Rap Brasil e assim comecei a Rede Enraizados. Depois com o tempo, o espaço para escrever e trocar cartas ficou pequeno, eu queria mostrar minhas letras, minhas músicas e aí comecei a estudar para montar um site do Enraizados.
Portal RAIZ.: E fazer rap no Rio de Janeiro?
Dudu do Morro Agudo: No Rio de Janeiro tem muita gente que faz rap, mas tem pouco público. E não temos público porque não existe uma rádio para divulgar o nosso trabalho aliás, no Rio de Janeiro tem uma única rádio que toca sempre os mesmos. Enquanto não tivermos uma rádio de rap pra todo o território nacional nós não vamos nos popularizar. Porque o funk é tão popular? Tem uma rádio só para funk no Rio de Janeiro: Furacão. Além disso, temos canais de TV que divulgam o funk, aí as outras rádios também tocam... O funk está na televisão, o rap quando aparece é através do Gabriel, o Pensador. Aparece na figura do Marcelo D2, por exemplo, que é uma fusão,mas não é mais o rap. E eles aparecem em rede nacional.
Portal RAIZ.: E vocês não gostariam de ter apoio de Prefeitura para montar uma rádio?
Dudu do Morro Agudo: Primeiro que não é nada fácil montar uma rádio e não depende da Prefeitura. E mesmo que fosse possível, não gostaria de depender de nada nem de ninguém. Depois vem a cobrança... Tudo o que tem aqui fomos nós que conquistamos, a grande maioria através do edital público. Eu prezo a independência, os nossos meios de Comunicação são nossos.
Portal RAIZ.: E tem bons espaços para vocês se apresentarem?
Dudu do Morro Agudo: Tem vários espaços de hip hop no Rio, mas são espaços dos playboys como a Bunker (na zona sul do Rio de Janeiro). Mas na periferia ainda não tem muitos espaços não.
Portal RAIZ.: Mas na terra da samba, do funk porque o rap?
Dudu do Morro Agudo: Olha eram as letras que chegavam mais próximo do que eu queria falar. Mas não tem só rapper aqui não. O Dumontt, por exemplo, é ator. O pessoal do Morro Agudo foi chegando devagarzinho. No início não queríamos nenhum contato com a política, com partidos, mas a partir do Fórum Mundial Social, percebi que a participação política era muito importante e urgente para a nossa música, na construção da nossa Rede...
Portal RAIZ.: Tem diferença nas letras do rap carioca, do rap paulista e do rap baiano?
Dudu do Morro Agudo: O Marcelo D2 tem uma letra muito carioca, mas a maioria dos MCs começaram ouvindo os Racionais MC, o rap de São Paulo. Tem muita gente que canta com as gírias de São Paulo, mas estamos conquistando o nosso jeito na hora de cantar e de escrever a letra.
Portal RAIZ.: Mas tem outras características, além do sotaque?
Dudu do Morro Agudo: Claro que sim. Nós cantamos a viagem que fazemos de trem para chegar até a praia, essa é uma história de carioca. O rapper paulista canta sobre as seis horas de viagem no metrô, no trem, no ônibus de casa para o trabalho. Isso é geográfico e dá para perceber de onde cada um vem. Tem também as cenas de violência, drogas e prostituição que a gente presencia a toda hora.
Portal RAIZ.: O rap brasileiro é hoje completamente diferente do rap norte americano ?
Dudu do Morro Agudo: A gente só ouve o rap norte americano que a mídia quer tocar. Tem muitos grupos de base, gente boa e militante. No Brasil a grande maioria é militante, mas não estamos livres desses rappers industrializados produzidos para conquistar a massa...
Portal RAIZ.: Afinal o carioca gosta de rap? Aqui é a terra do samba e do funk
Dudu do Morro Agudo: O carioca gosta muito de rap. Com todas essas dificuldades, mesmo sendo uma cultura de periferia, temos rap aqui no Rio de Janeiro. Falta uma rádio que represente o movimento, divulgação, apoio e preço baixos nos CDs – mesmo assim tem muita gente que ouve, que participa do movimento. O funk você ouve e compra em qualquer lugar, o rap tem pouco espaço, pouca divulgação. Mas aqui no Morro Agudo esse movimento tem crescido muito desde 2005.
E estava todo mundo com muita vontade. Apareciam 60 grafiteiros nas reuniões com vontade de fazer algo. O Dumontt também chegou cheio de gás o que acabou gerando uma competição para ver quem trabalhava mais... Nunca precisamos botar placa anunciando a Rede Enraizados, o pessoal foi chegando. Todo início do ano conversamos e discutimos quais serão as nossas metas e estamos cumprindo. Vem gente de fora, de outros estados, de outros países, aqui nos visitar. A rede cresceu muito com a internet.
Portal RAIZ.: Quais são as linguagens artísticas da rede Enraizados?
Dudu do Morro Agudo: O nosso ponto forte é o rap. Existem muitos rappers na comunidade e o Enraizados é um espaço onde as pessoas participam das atividades, mas não é grupo, não é uma organização. Quando temos shows e apresentações chamamos todo o pessoal. O rap é o nosso forte
Portal RAIZ.: São quantos grupos?
Dudu do Morro Agudo: Os grupos mais atuantes são: Leo da XII, Dudu do Morro Agudo (DMA), Ultimato Salvação e Fator Baixada. Inspirados no nosso trabalho já surgiram o Walace, o Kadu, esses são só do nosso bairro. Na Baixada tem mais gente como Slow, o Capela, o Bob X, que não estão aqui, mas também estão presentes. Estamos fazendo agora um documentário chamado “Mães do Hip Hop”. Estamos mapeando o rap da comunidade através do ponto de vista dessas mulheres. Traçando um perfil dos grupos de rap de Morro Agudo pela ótica das mães.
Portal RAIZ.: Como a rede funciona?
Dudu do Morro Agudo: Olha cada um tem seu trabalho. Eu às vezes faço sozinho o show, como Dudu do Morro Agudo. Isso também funciona com todos os outros. Temos inclusive grupos de rap evangélicos como Ultimato Salvação. O que nos une é o hip hop, tanto faz a religião dos integrantes. Quando os quatro são convidados: Leo da XII, Dudu do Morro Agudo (DMA), Ultimato Salvação e Fator Baixada , aí nós anunciamos como Enraizados! Portal RAIZ.: E a qualidade musical dos grupos?
Dudu do Morro Agudo: Um tempo atrás nós só ouvíamos os grupos de São Paulo, como o Racionais MC. Hoje nós temos mais de 30 músicos que produzem um bom rap no Rio de Janeiro. Agora desenvolvemos as nossas letras, a música, já temos até um pequeno estúdio aqui na sede do Enraizados. A molecada aprendeu a produzir rap aqui, no Enraizados.
Portal RAIZ.: O seu cd “Rolo Compressor” foi gravado aqui?
Dudu do Morro Agudo: Sim, toda a minha história e o meu pensamento estão nele. E estamos gravando outro CD sobre a questão dos Direitos Humanos com os quatro grupos que eu já te falei mais o Poeta da BF (Baixada Fluminense).
Produzimos também 21 eventos aqui no espaço Enraizados. De junho a dezembro toda a sexta-feira produzimos o evento colaborativo: Hip Hop Mais. Toda sexta um grupo diferente se apresentava e isso repercutiu tão bem que grupos do Rio também queriam vir se apresentar. Temos também o Sarau do Rap... O público chegou a 200 pessoas, mas com a apresentação dos quatro grupos.
O pessoal acha que o rap é Racionais MC, mas quando descobre as letras dos rappers cariocas, percebem que é uma letra carioca, gostam e consomem. Claro que o Hip Hop não é a cultura do Rio de Janeiro, mas pode ser uma ótima opção.
Portal RAIZ.: E nos encontros que vocês promovem, participam artistas dos quatro elementos (rap, break, grafite e MCs)?
Dudu do Morro Agudo: O público é formado por menores de 30 anos, e todos os elementos participam. Aliás, aqui ensinamos break, Djs, grafite, que tem regras e elas precisam ser conhecidas da moçada. Nada de ficar rolando no chão para ser chamado de bboy. Tem que estudar os estilos, a técnica correta. Quando começamos o pessoal não sabia quais eram os nomes dos movimentos... Começamos com cursos de fundamentos, com a história do Hip Hop, estamos no começo dessa caminhada...
Portal RAIZ.: E o grafite do Morro Agudo?
Dudu do Morro Agudo: O grafite é fortíssimo! No Rio tem muitos grafiteiros. Nós temos algumas lideranças como o Dante e o Shork que estão aqui com a gente. Por exemplo, uma instituição quer fazer uma “parede”, nós conversamos com o Dante ou Shork e aí eles chamam a galera deles e fazem a “parede”. Portal RAIZ.: Quantos grafiteiros?
Dudu do Morro Agudo: Grafiteiros são muitos.
Portal RAIZ.: E sobre literatura? Vocês possuem uma biblioteca, o rap é poesia, você acredita que podem também criar para o papel, além de fazer música?
Dudu do Morro Agudo: Rap é uma abreviatura de Ritmo e Poesia, nós já éramos leitores de poesia. Vamos por partes... Nós já participamos de alguns livros como o Pela Periferia do Brasil, que já está no segundo volume. Temos um jornal, criado pelos oficineiros, que é editado a cada três meses. A circulação é feita em arquivo PDF pela internet e tem uma tiragem pequena em papel que fica mais para o pessoal da comunidade.
Portal RAIZ.: E como você enxerga a literatura da periferia? Existe uma forte tendência de se falar do dia a dia.
Dudu do Morro Agudo: Eu acho super válido. Eu só comecei a escrever porque queria falar do meu cotidiano. Tem uma linguagem que só está na periferia, quem quiser saber do que a gente está falando terá trabalho para entender, mas acho que esse trabalho é necessário.
Muita gente acusa os textos de falarem de drogas, de muita violência, mas isso é o que está o tempo todo na nossa porta. Os textos do Sacolinha (escritor de São Paulo) é a gente. Talvez o que mais incomode sejam as gírias, mas acho que o leitor tem que ter esse trabalho de tentar descobrir os significados.
Portal RAIZ.: Vocês estão começando a gerar projetos, participar de editais, para poder trabalhar?
Dudu do Morro Agudo: Sim. Hoje essa é a fórmula que nós temos para poder contratar um grafiteiro que será responsável pelo projeto gráfico da Rede Enraizados. Agora é a nossa saída. Para trabalhar com Arte, da periferia ou não, acho que a saída é essa.
Portal RAIZ.: Quantos editais vocês já ganharam?
Dudu do Morro Agudo: Já ganhamos o reconhecimento do MinC, através do Prêmio Cultura Viva. Do Jornal Voz Periférica, do Festival do Hip Hop de Nova Iguaçu. Nos inscrevemos em uns onze editais e ganhamos dez, mas investimos uma “grana” no aperfeiçoamento do Dumontt (um dos fundadores e integrante da Rede Enraizados). No ano passado, por exemplo, nós ficamos oito meses sem receber um centavo de lugar nenhum, hoje são 15 pessoas que estão trabalhando em algum projeto da Rede Enraizados.
Portal RAIZ.: Mas o pessoal consegue viver de sua arte?
Dudu do Morro Agudo: Nós não conseguimos viver do rap ou do grafite. O ano passado, em 2008, a Prefeitura de Nova Iguaçu contratou o grupo de grafiteiros para cobrir todas as paredes da cidade, mas foi só no ano passado. Mas no Brasil isso não acontece muito. Acho que quem ganha mais grana são os DJs. Fora isso o pessoal faz porque acredita e gosta. Aprendemos a escrever projetos para editais para conseguir grana para comprar sprays. Fizemos parcerias com os grafiteiros gaúchos que junto com o pessoal daqui grafitaram 100 m2 de muro da linha férrea. Mas foi uma relação muito complicada com a SuperVias (empresa responsável pela manutenção dos trens no Rio de Janeiro), com muitas exigências e não rolou redondo.
Portal RAIZ.: E como é a relação com os artistas, com os grafiteiros, com os rappers, com a criação?
Dudu do Morro Agudo: A nossa relação é a mais aberta possível. Para os grafiteiros mostramos as paredes, na participação dos Saraus do Rap também, mas normalmente o pessoal que chega aqui já nos conhece, já sabe como pensamos e “está junto”.
Portal RAIZ.: Existe uma opção ideológica, uma arte ideológica?
Dudu do Morro Agudo: Naturalmente há uma identificação com alguns grupos e ideologias. Mas é um espaço de troca, ninguém vai dizer o que é certo ou errado, cada um tem seu estilo. Aqui é um espaço de descoberta de seus potenciais criativos. Nós nunca dissemos que isso era bom ou era o certo.
Portal RAIZ.: Quantas oficinas vocês produzem ou já produziram?
Dudu do Morro Agudo: Tem várias oficinas financiadas pelo governo federal, o projeto ProJovem Urbano. Elas tratam da questão do trabalho, ética com os jovens, mas estamos inserindo também oficinas de grafite, break ou teatro. No caso da Espaço Estimativa nós temos mais possibilidades como oficinas sobre audiovisual, break, grafite, rap, tem gente de Caxias, da Penha, afim de vir fazer as nossas oficinas. Mas a gente quer dar essas oficinas porque nós queremos transformar Nova Iguaçu na cidade do Hip Hop!
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