sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Memórias Póstumas

Dossiê André Klotzel


Direção: André Klotzel
Brasil, 2001.

Por Vlademir Lazo Correa

Um dos maiores desafios pelo qual um cineasta brasileiro pode passar é resolver levar para a tela uma obra de Machado de Assis, especialmente algum dos seus romances mais consagrados. Sabendo dos perigos de tal empreitada, o diretor André Klotzel optou por um caminho mais seguro ao decidir transformar Memórias Póstumas de Brás Cubas em filme, transportando muitos dos acontecimentos e invenções da obra original, com uma fidelidade de adaptação que pesa tanto a favor quanto contra o próprio filme.

A verdade é que adaptar Machado de Assis para o cinema resulta num beco sem saída: é complicado reinventar aspectos da prosa inexcedível de Machado porque os seus principais textos são bem redondos e acabados e dotados de um estilo todo particular. É dali que se parte para a essência de suas obras, ao mesmo tempo em que nem sempre é suficiente transpor esses enredos em suas completudes para o cinema - até porque as suas histórias são relativamente simples (embora permeadas de elementos inusitados) -, e as suas essências não estão contidas ali, mas apenas parte-se daí para chegar a algo indivisível e totalmente literário (e provavelmente anti-cinematográfico), que contém toda a visão irônica e pessimista em torno do legado de nossa miséria humana (como o próprio Brás Cubas define no epílogo de seu relato). A graça na maioria das vezes está nas entrelinhas entrevistas nas linhas do romancista, algo que nem sempre se consegue passar na tela, por ser Literatura, não Cinema, que são formas artísticas bastante distintas.

Ainda assim, Memórias Póstumas é um filme charmoso e simpático. O bom gosto visual e cenográfico é sobressalente o tempo todo, enquanto acompanha a metalinguagem do livro, os desvios da narrativa para contar breves episódios que por vezes fogem do foco principal da história relatada, e a condição de ser narrado não por um autor-defunto, mas um defunto-autor, que teve a sepultura como um novo berço e que vai penetrando pelas cenas, observando os acontecimentos e comentando-os enquanto eles vão ocorrendo, e às vezes parando o tempo narrativo e caçoando dos fatos. O personagem é interpretado com talento e de modo carismático e bonachão por Reginaldo Farias, ator veterano de invejável currículo no cinema nacional, mas que há uns bons vinte anos não tinha a oportunidade de fazer um filme digno como o de André Klotzel. Os demais atores também estão convincentes, oferecendo interpretações adequadas para criar uma atmosfera de século XIX, e o elenco ainda inclui Sônia Braga, numa participação discreta no papel da prostituta Marcela.

Ao realizar o seu Memórias Póstumas, André Klotzel com muito respeito presta uma homenagem ao grande livro, com uma subordinação estética de reverência quase excessiva e perto de uma sacralização do material adaptado às telas. O roteiro condensa muitos dos melhores achados verbais e ditos espirituosos do texto original. Ao mesmo tempo, o cineasta tenta perceber o espírito da obra, ao invés de apenas transpor seu enredo ou aspectos narrativos, buscando com soluções visuais e fílmicas melhor representá-los, o que consegue em vários momentos, especialmente no começo (a cena da alucinação, do hipopótamo) e no final (a sequência do delírio antes da morte). É um filme que acerta dentro do que se propõe, pois funciona com sua boa transcrição visual do texto, e, para muitos, isso é o suficiente.


Direção: André Klotzel
Brasil, 2001.

Por Vlademir Lazo Correa

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