Os Cantos de Maldoror, Poesias I & II, Conde de Lautréamont (Isidore Ducasse)
«Mais que tudo, desejo ser julgado pela crítica, e, uma vez conhecido, tudo seguirá por si.», escrevia, há precisamente 140 anos, Isidore Ducasse. Surgidos na sequência de um pós-romantismo que prefigurava já a modernidade (onze anos antes, publica Baudelaire As Flores do Mal), Os Cantos de Maldoror têm hoje um estatuto histórico-literário inabalável. Experiência-limite da linguagem feita força e movimento, ímpio desafio às fronteiras e aos códigos literários, esfacelam – às vezes literalmente – normas, desfazem o horizonte de expectativas do leitor, pulverizam arcos temporais. «O seu corte com a literatura», (Silvina Rodrigues Lopes), «é corte com o domínio do idêntico – o género literário, o modelo literário, a tradição literária, a história literária». Repare-se como, mormente em Poesias, sobrevêm categorias como a alusão, a paródia, ou o pastiche – «O plágio é necessário.», lemos em Poesias II. Não sendo especificamente moderna, a paródia adquire em Ducasse uma feição de translação e revolução de sentidos alheia às homólogas clássica e medieval – caberá ao (pós-)modernismo pô-la em órbita.
A intensidade indomável desta poesia agreste e hipnótica – «um dia em que os obuses troavam muito mais fortemente do que era hábito, e em que os esquadrões, arrancados à sua base, redemoinhavam, como palhas, sob a influência do ciclone da morte» –, o rigor inultrapassável da sua construção – contraditório, inviável, Maldoror tem a sua razão, numa arquitectura inabalável, e, por «verdadeira liberdade», «a consciência dos músculos» (Bachelard) –, o seu frio amoralismo – «A minha poesia dedicar-se-á apenas a atacar, por todos os meios, o homem, esse animal selvagem, e o Criador, que não deveria ter engendrado semelhante parasita.» –, que não estanca o sangue emulado no cromatismo da capa, tornam a sua obra «bem mais terrível» do que Byron ou Mickiewicz (Ducasse).
Seria difícil exagerar a importância desta nova edição de Os Cantos de Maldoror. Não por falta de outras – pelos méritos indesmentíveis desta. Entregue a Manuel de Freitas e prefaciada por Silvina Rodrigues Lopes, tem esta versão tudo para cumprir a tumultuária jornada de Ducasse. Toda a riqueza imagética e vocabular se manteve, na tradução, que não contorna obstáculos, nem toma a via mais arejada, pelo que o resultado final recupera o impacto nevrálgico de Ducasse, num ponto de chegada que é um marco fundamental da escrita – não só da tradução – entre nós.
[versão ligeiramente ampliada de um texto publicado no Expresso, «Actual», 31 de Outubro, 2009]
por Hugo Pinto Santos
Os Cantos de Maldoror, Poesias I & II
Conde de Lautréamont (Isidore Ducasse)
trad. Manuel de Freitas
prefácio Silvina Rodrigues Lopes
Antígona
2009
Conde de Lautréamont (Isidore Ducasse)
trad. Manuel de Freitas
prefácio Silvina Rodrigues Lopes
Antígona
2009
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